A CONFERÊNCIA DE LEO TAXIL

LEO TAXIL


Quem foi Leo Taxil?

Talvez muitos maçons não saibam quem foi tal personagem, seu verdadeiro nome era Gabriel Antoine Jogand Pagès. Iniciado, logo depois foi expulso da Ordem como Aprendiz. Por vingança ou por uma brincadeira sem precedentes, criou em sua imaginação uma ordem maçônica satânica de nome Paládio, que o objetivo principal era dominar o mundo. Assim, o objetivo principal de Taxil era desmistificar tal ordem, por ele criada, revelando seus segredos e ações à sociedade. Taxil foi tão proeminente em sua encenação que a Igreja Católica apoiou Taxil, obtendo uma audiência com o Papa Leão VIII em 1887. Foi desta maneira que o Baphomet foi associado à maçonaria, e até hoje muitos religiosos ignorantes, com cultura apenas bíblica, acreditam que a maçonaria é satânica. Foi nesta conferência, conhecida como A Conferência de Leo Taxil, que Taxil revelou que tal ordem Paládio não existia, pondo fim a mentira.

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Em 19 de abril de 1897, segunda-feira de Páscoa, tinha lugar o desenlace de uma curiosa e extravagante história. Para esse dia, Leo Taxil havia convocado uma grande assembléia na sala da Sociedade Geográfica de Paris, ao lado do Square de la Charité, onde, depois do sorteio de uma máquina de escrever, tinha lugar uma conferência com projeções sobre o culto paladista. Mas Taxil aproveitou a afluência para comunicar ao numeroso e atento público que havia conseguido a mais grandiosa mistificação dos novos tempos, pois Miss Vaughan jamais havia existido e vinha enganando a Igreja Católica a doze anos, de um modo formidável.

Toda a imprensa da época divulgou a conferência. Pois uma grande parte do numeroso público que compareceu para ouvir Taxil se compunha especialmente de representantes da imprensa de diversos países e ideologias. Também havia muitos sacerdotes, um grande número de senhoras e de livres-pensadores e franco-maçons. A Nunciatura enviou dois delegados; o Arcebispado também estava representado. O acesso à sala era gratuito, mas só se admitia a entrada com os convites pessoais que haviam sido enviados com um mês de antecedência.
O ato se abriu com o sorteio de uma soberba máquina de escrever, oferecida por Miss Diana Vaughan. O feliz ganhador foi Ali Kemal, redator do diário Ikdam, de Constantinopla. Na continuação, tomou a palavra Taxil. Creio que seu discurso não é apenas interessante, como também necessário  - apesar de sua extensão - para conhecer os verdadeiros motivos do satanismo na Maçonaria. Embora tenha sido traduzido e publicado em Madri, em forma de folheto de 33 páginas, na Rua Fuencarral, 119, com o título a "Célebre conferência dada na Sala da Sociedade Geográfica de Paris", por não dispor da citada publicação, utilizou-se, previamente traduzido, o texto original do semanário parisiense Le Frondeur oferecido a seus leitores alguns dias depois, em 25 de abril de 1897.

Eis a conferência de Leo Taxil:

Meus reverendos padres, senhoras, senhores:
Antes de tudo, quero dirigir meus agradecimentos àqueles meus confrades da imprensa católica, que - empreendendo de repente, faz seis ou sete meses, uma campanha de ressonantes ataques - produziram um resultado maravilhoso, que constatamos esta tarde e que se constatará, todavia, melhor amanhã: o resplendor completamente excepcional da manifestação da verdade em uma questão cuja solução poderia, quiçá, sem eles, passar absolutamente despercebida.

A estes queridos colegas, pois, minha primeira felicitação! Em seguida compreenderão quão sincero e justificado é este agradecimento.

Neste bate-papo tentarei esquecer o que de injusto e ardente contra minha pessoa foi publicado no curso da polêmica a que acabo de me referir; ou, ao menos, se me vejo forçado a ilustrar certos fatos com uma luz que, para muitos, é insuspeitável, direi a verdade descartando de meu pensamento inclusive à sombra do mais breve ressentimento. Talvez após estas explicações, cuja hora finalmente soou, esses colegas católicos não cessarão seus ataques ante minha pacífica filosofia; mas se meu bom humor, em lugar de acalmá-los, os irrita, asseguro-lhes que nada me fará abandonar esta placidez de alma que adquiri faz doze anos e na qual sou infinitamente feliz. Além do mais, se é verdade que este auditório de elite está composto dos elementos mais díspares - posto que se convocou indistintamente a todas as opiniões -, estou convencido de que não carece do sentimento da mais doce tolerância em matéria de exame. Resumindo: estamos aqui entre gente de bem. Todos sabemos julgar o que é sério e o examinamos com a gravidade necessária, sem cólera; mas não nos aborreçamos quando o fato que nos é submetido é, antes de tudo, divertido. Mais vale rir que chorar, diz o provérbio.

* * *
Agora me dirijo aos católicos e lhes digo: quando soubestes que o doutor Bataille, que se dizia entregue à causa católica, havia passado onze anos de sua vida explorando os antros mais tenebrosos das sociedades secretas, lojas e trans-lojas, inclusive Triângulos luciferianos, o aprovastes sem rodeios; julgastes sua conduta admirável. Recebeu uma verdadeira chuva de felicitações. Teve artigos elogiosos, inclusive dos jornais daqueles que, hoje em dia, não há suficientes raios para pulverizar Miss Diana Vaughan, tratando-a de mito, aventureira e fabricante de cartas. Hoje poderíamos recordar aquelas aclamações que acolheram ao doutor Bataille; mas já não acontecem mais; mas, sem dúvida, foram espalhafatosas. Ilustres teólogos, eloqüentes pregadores, eminentes prelados, cumprimentaram-no com insistência. E não digo que não tiveram razão. Constato pura e simplesmente. E esta constatação tem também como finalidade que me permitais dizer tudo.

Não vos aborrecei, meus reverendos Padres, riais melhor, com vontade, ao saber hoje que o que aconteceu é exatamente o contrário do que acreditastes ter acontecido. Não houve, de modo algum, nenhum católico que se dedicou a explorar a Alta Maçonaria do paladismo. Pelo contrário, houve um livre-pensador que para seu proveito pessoal, de modo algum por hostilidade, veio passear por vosso campo, durante onze anos, talvez doze; e... é vosso servidor. Não há o menor complô maçônico nesta história e o provarei imediatamente. É preciso deixar Homero cantar os êxitos de Ulisses, a aventura do legendário cavalo de madeira; esse terrível cavalo não tem nada que ver no caso presente. A história de hoje é muito menos complicada.

Certo dia, vosso servidor se deu conta que, tendo partido demasiado jovem para a irreligião e quiçá com demasiado ímpeto, podia muito bem não ter o sentimento exato da situação; então, trabalhando por conta própria, querendo retificar sua maneira de ver, se era possível, não confiando sua resolução, em princípio, a nada, pensou ter encontrado o meio de melhor conhecer, de melhor dar-se conta, para sua própria satisfação. Acrescenteis a isso, se quereis, um toque de farsante no caráter; não se é impunemente filho de Marselha! Sim, acrescenteis este delicioso prazer, que a maioria ignora, mas que é bem real; esta alegria íntima que se experimente diante do adversário, sem malícia, só por divertimento, para rir um pouco. Bem, devo dizê-lo agora mesmo. Esta mistificação de doze anos me proporcionou, desde o início, um precioso ensinamento: que havia agido verdadeiramente sem medida; que devia ter permanecido sempre no terreno das idéias; que na maioria dos casos não pretendia atacar as pessoas.

Esta declaração tenho o dever de fazê-la e, devo dizer também, que não me custa fazê-la. Nestes doze anos passados sob a bandeira da Igreja, ainda que enrolado como palhaço, adquiri a convicção de que se imputa injustamente às doutrinas a malignidade, que é própria de certas pessoas. Tudo é bom. O que é mau permanece mau; da mesma forma que o que é bom trabalha com bondade tanto se permanece crente como se perde a fé. Há gente má por toda parte e homens bons por toda parte.

Fiz, pessoalmente, um estudo que trouxe seus frutos. É este estudo que me deu esta serenidade de alma, esta filosofia íntima de que falava no início.

Em primeiro lugar, tinha vindo por curiosidade, um pouco pela aventura, mas propondo-me, bem entendido, a retirar-me uma vez realizada a experiência. Depois, o doce prazer da brincadeira me contagiou totalmente, dominando-me; conforme me introduzia no campo católico, desenvolvia cada vez mais meu plano de mistificação. Às vezes divertido e instrutivo, dando-lhe proporções sempre mais vastas, conforme avançavam os conhecimentos. Assim cheguei a conseguir dois colaboradores, dois, nada mais. Um, um antigo camarada de infância, que eu mesmo mistifiquei no início, dando-lhe o pseudônimo de Dr. Bataille; a outra, Miss Diana Vaughan, protestante francesa, muito mais livre-pensadora, datilografa de profissão, representante de uma fábrica de máquinas de escrever dos Estados Unidos. Um e outra eram necessários para assegurar o êxito do último episódio desta alegre brincadeira, que os jornais americanos chamam "a maior mistificação dos tempos modernos".
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Este último episódio, que devia naturalmente encerrar-se em abril, mês da alegria, mês das farsas - e não nos esqueçamos que a mistificação começou igualmente em abril, em 23 de abril de 1885 -, este último episódio é o único que deve ser explicado hoje e, ademais, apenas esboçado, pois, se tivesse que contar tudo, mostrando o reverso da questão desde o começo da aventura, necessitaríamos vários dias. Este mês de abril se converteu em uma grande tragédia. Não obstante, há que se ilustrar o ponto de partida com alguns traços de doce luz. Entre os adágios da arte culinária cita-se com freqüência este: "Chega-se a cozinheiro, mas se nasce assador". A perfeição na ciência de assar não se aprende. Creio que ocorre o mesmo com a farsa; nasce-se farsante.

Eis algumas confidências de minha iniciação nesta nobre carreira: em primeiro lugar, no meu povoado natal. Ninguém se esqueceu, em Marselha, da famosa história da devastação da enseada por um cardume de tubarões. De várias localidades da costa chegavam cartas de pescadores narrando como haviam escapado dos mais terríveis perigos. O pânico se estendeu aos banhistas e os estabelecimentos de banhos de mar, desde os Catalães até a praia do Prado, ficaram desertos durante semanas. A Comissão municipal se assustou; o alcaide emitiu a opinião, muito ajuizada, que esses tubarões, pragas da enseada, haviam provavelmente vindo da Córsega, seguindo algum navio que, sem dúvida, havia jogado na água alguma carga estragada de carnes defumadas. A Comissão municipal votou um requerimento ao general Espivent de la Villeboisnet - estava-se, então, sob o regime de estado de sítio - pedindo-lhe que pusesse a sua disposição uma companhia armada de fuzis, para uma expedição em um rebocador. O bravo general, não desejando outra coisa senão ser agradável aos administradores que ele mesmo havia escolhido para a querida e boa cidade onde vim à luz, o general Espivent, hoje senador, concedeu, pois, cem homens, bem armados, com uma ampla provisão de cartuchos. O navio libertador abandonou o porto, saudado com os aplausos do alcaide e seus adjuntos; a enseada foi explorada em todas as direções, mas o rebocador voltou com o rabo entre as pernas; nem um só tubarão! Uma pesquisa posterior demonstrou que as cartas de queixa, vindas de diversos pescadores da costa, eram todas fruto da fantasia. Nas localidades onde estas cartas haviam sido depositadas nos correios, não existiam esses pescadores; ao reunir as cartas, observou-se que pareciam ter sido escritas todas pela mesma mão. O autor da mistificação não foi descoberto. Vós o tendes diante de vocês. Era 1873; tinha eu, então, dezenove anos.

Espero que o general Espivent me perdoe de ter, por um barco, comprometido momentaneamente seu prestígio aos olhos da população. Havia extinguido o Marotte, Jornal de Loucos. O assunto dos tubarões foi, portanto, uma muito inofensiva vingança.

Alguns anos mais tarde, estava eu em Genebra, fugindo de alguns crimes de imprensa. A Fronde, depois o Frondeur, tinha substituído ao Marotte. Certo dia, o mundo erudito foi surpreendido ao tomar conhecimento de uma maravilhosa descoberta. Talvez alguém, neste auditório, se recordará do fato: tratava-se de uma cidade sublacustre que se localizava - dizia-se - muito vagamente, no fundo do lago Leman, entre Nyon e Coppet. Foram enviadas informações a todos os rincões da Europa, tendo os jornais divulgados com exatidão as supostas escavações. Havia-se dado uma explicação muito científica apoiada nos comentários, de Júlio César. A cidade devia ter sido construída na época da conquista romana, num tempo em que o lago era tão estreito que o Ródano o atravessava sem misturar, com ele, as suas águas. Rapidamente a descoberta provocou, por toda parte, muito barulho, exceto na Suíça, certamente. Os habitantes de Nyon e de Coppet estranhavam muito a chegada de algum turista que, de vez em quando, pedia para ver a cidade sublacustre. Os remadores do lugar acabaram por decidir levar ao lago os turistas mais insistentes. Espalhou-se azeite sobre a água para ver melhor; com efeito, houve quem distinguisse algo, restos de ruas muito bem alinhadas, encruzilhadas, que sei eu? Um arqueólogo polonês, que havia feito a viagem, voltou satisfeito e publicou um informe em que afirmava haver distinguido muito bem restos de uma praça pública, com alguma coisa informe que bem podia ser restos de uma estátua eqüestre. Um Instituto enviou dois de seus membros; estes, porém, quando chegaram, dirigiram-se às autoridades e, ao inteirar-se que a cidade sublacustre era apenas uma brincadeira, voltaram como tinham vindo e não viram nada; lastima! A cidade sublacustre não sobreviveu a esta visita científica.

O padre da cidade sublacustre de Leman, que está aqui presente, teve um precioso auxiliar na propagação da lenda, na pessoa de um de seus companheiros de exílio - é necessário dizer que também era um marselhês? - meu confrade e amigo Henri Chabrier, aclimatado hoje, como eu, às margens do Sena.

Estas duas anedotas, entre cem que eu poderia citar, foram trazidas a fim de estabelecer que o gosto de vosso servidor pela grande e alegre farsa remonta há mais de doze anos. Chego, pois, a mais grandiosa farsa de minha existência, a que termina hoje e que será, evidentemente, a última, pois, após esta, me pergunto que confrade, inclusive a imprensa da Islândia ou Patagônia, acolheria, com minha recomendação ou com a de um de meus amigos, a informação de não importa que acontecimento extraordinário...

Compreender-se-á, sem dificuldades, que não era muito fácil, com a formidável bagagem de meus escritos irreligiosos, ser recebido no seio da Igreja sem uma desconfiança sem dúvida mais destacada. Não obstante, eu precisava chegar ali e ser recebido para poder, quando as desconfianças fossem completamente dissipadas, ainda que superficialmente, organizar e dirigir a fenomenal mistificação da demonologia contemporânea. Para alcançar o resultado a que me havia proposto, era necessário, indispensável, não confiar meu segredo a ninguém, absolutamente ninguém, nem sequer a meus mais íntimos amigos, nem sequer a minha mulher, pelo menos nos primeiros momentos. Era preferível passar por louco aos olhos dos que me conheciam. A menor indiscrição podia fazer fracassar tudo. Eu jogava uma grande cartada, pois queria ganhar uma grande partida. A hostilidade de alguns, a contrariedade insípida e excitada de outros foram, pelo contrário, meus melhores triunfos, posto que - o que era infalível - fui submetido à rigorosa observação durante os primeiros anos.

Sem dúvida alguns pequenos detalhes serão reveladores para meus antigos amigos, se me recordo bem.

Assim, após a publicação de minha carta, onde me retratava de todas minhas obras irreligiosas, os grupos parisienses da Liga Anticlerical se reuniram em assembléia geral, para votar minha expulsão. Surpreenderam-se ao ver-me chegar; os membros da Liga ficaram espantados e, na verdade, minha presença era incompreensível, posto que não vinha desafiar aqueles de quem me havia separado e não disse uma só palavra para tentar atraí-los para mim, como teria feito um convertido em seu ardor de neófito.

Não! Fui a essa sessão com o pretexto de dizer adeus - fazia já três meses que eu havia apresentado minha demissão - mas, na realidade, para buscar e encontrar a ocasião de falar quando chegasse o momento.

Em sua grande maioria, os membros da Liga Anticlerical eram meus amigos. Havia quem chorava; eu mesmo estava emocionado... Asseguro-vos que não me separei deles sem dor. Enfim, aceiteis como queirais. Apesar de emocionado, guardei meu sangue frio em meio a uma verdadeira tempestade; eu vos remeto aos jornais da época. Para encerrar a sessão, o presidente submeteu à ordem do dia a seguinte proposição, que foi votada por unanimidade:

Considerando que o chamado Gabriel Jugand Pagés, conhecido como Leo Taxil, um dos fundadores da Liga Anticlerical renegou todos os princípios que havia defendido, traiu o livre-pensamento e a todos seus co-antireligionários.

Os membros presentes na reunião de 27 de julho de 1885, sem deter-se nos motivos que ditaram ao supracitado Leo Taxil sua infame conduta, expulsam-no da Liga Anticlerical como traidor e renegado.

Então protestei contra uma palavra, uma só palavra, dessa ordem do dia.

Sem dúvida há na sala antigos amigos que tomaram parte nessa reunião de julho de 1885. Recordo-lhes os termos de meu protesto. Disse isto com a voz mais tranqüila:

- Amigos meus, aceito esta ordem do dia, salvo por uma palavra...

O presidente me interrompeu para gritar:

- Na verdade, és demasiado audaz! Continuei, sem perturbar-me:

- Tendes o direito de dizer que sou um renegado, posto que acabo de publicar, faz quatro dias, uma carta onde me retrato e renego expressamente todos meus escritos contra a religião. Mas peço-vos que apaguem a palavra "traidor" que de modo algum se ajusta ao meu caso; não há sombra de traição no que faço hoje. O que vos digo agora não podeis compreender, mas o compreendereis mais tarde.

Eu fiz questão de frisar bem esta última frase, pois não podia deixar que suspeitassem de meu segredo. Mas o disse bem claramente para que pudesse ficar nas memórias, ainda que se prestasse a diversas interpretações.

E quando tive a oportunidade de publicar um informe desta sessão, tive muito cuidado em omitir esta declaração; efetivamente, ela poderia despertar suspeita.

Segundo fato. Entre o dia de abril em que fiz a um sacerdote a confidência de minha conversão e o dia da sessão de minha expulsão do livre-pensamento, teve lugar em Roma um congresso anticlerical, de que fui um dos organizadores. Nada me teria sido mais fácil que desorganizá-lo e fazê-lo fracassar completamente. Esse congresso teve lugar nos primeiros dias de junho. Todos os livres-pensadores sabem que até o fim me entreguei com todas as minhas forças ao êxito do mesmo; apenas a morte de Victor Hugo, que sobreveio naquele momento, desviou a atenção pública desse congresso.

Mais tarde, quando se soube que havia conversado com sacerdotes desde o mês de abril, se disse e se imprimiu que, com a desculpa desse congresso, havia ido a Roma negociar minha traição, que tinha recebido uma grande soma; falou-se que "um milhão". Deixei que dissessem, pois tudo isso pouco me importava e eu ria sozinho.

Mas hoje tenho o direito de dizer que tudo aconteceu de outra forma. Entre os convites distribuídos para esta conferência se encontra o de um antigo amigo que efetuou comigo essa viagem, que me acompanhou por todas as partes e que não me deixou um instante. Ele está aqui, e não me desmentirá. Deixou-me um segundo? Acaso me ausentei de sua companhia para fazer qualquer gestão suspeita? Não!

E isto não é tudo. Ao longo dessa mesma viagem, ao voltar para a França, detivemo-nos em Gênova. Tinha que fazer uma visita a alguém, com quem estava unido por amizade: o General Canzio Garibaldi, o genro de Garibaldi.

Nessa visita fui acompanhado pelo amigo em questão e por outro que ainda vive: o Doutor Baudon, que recentemente foi eleito deputado de Beauvais.

Os dois podem certificar isso: que, no transcurso dessa visita, afastei-me um momento com Canzio. E Canzio, por seu turno, poderá certificar que lhe disse:

- Meu querido Canzio, tenho que vos declarar, em segredo, que em breve farei um rompimento completo e público. Não o estranheis nem um pouco. E me mantenhais fielmente vossa confiança.

Tampouco insisti mais e, inclusive, mais tarde, temi ter falado demais. Canzio, durante dois ou três anos, enviou-me seu cartão de ano novo, apesar de nosso rompimento. Depois julgou, sem dúvida que a coisa durava muito; desistiu e não me deu mais sinal de vida. Enfim, um de meus colaboradores, que gostava muito de mim continuou, apesar de tudo, convivendo comigo. Está morto: era Alfred Paulon, que foi conselheiro e homem bom. Sei que o resultado de sua observação perspicaz e constante foi que havia participado da mistificação por minha causa.

Paulon, meu antigo colaborador que continuou convivendo comigo, tinha uma maneira de defender-me que, freqüentemente, molestava-me.

Eis aqui em que termos falavam de mim a meus amigos: "Leo é incompreensível. Em primeiro lugar, acreditei que havia enlouquecido, mas quando retomei contato com ele, constatei que, pelo contrário, estava em perfeito juízo. Não compreendo nada, há algo que me diz que ele está, no entanto, de coração e de espírito, conosco (os livres-pensadores); eu o sinto. Não lhe falo jamais de questões religiosas, porque vejo bem que não quer se revelar, mas poria a mão no fogo: ele não trabalha a favor dos clericais; um dia ou outro haverá uma grande surpresa."

Alfred Paulon não pode dar o testemunho de suas observações, mas ele as comunicou a numerosos amigos. E, se estão nesta sala, eu lhes pergunto: é verdade que, ao falar de mim, Paulon se expressava assim?

Diversas vozes:

- É verdade! É verdade!
* * *
Agora chegamos à mistificação em si, a essa mistificação ao mesmo tempo divertida e instrutiva.

Em primeiro lugar, não tem relação com o bom homem, o vigário, um sacerdote com alma sensível, que teve a primeira confidência do golpe de graça que eu havia recebido, como Saulo a caminho de Damasco.

"Isso não me diz nada que valha a pena", pensava-se entre a gente da Igreja.

Foi então decidido, no dia anterior a minha carta de retratação, que deveria fazer um bom e breve retiro em uma casa dos reverendos padres jesuítas e se escolheu um dos mais espertos na arte de interrogar e perscrutar as almas. A escolha não se fez ao léu. Fizeram-me esperar uma longa semana pelo grande perscrutador que me estava destinado.

Um velho capelão militar, que se tornou jesuíta, um maligno entre os malignos! Seu conceito teria um grande peso.

Ah, foi uma dura partida a que nós dois jogamos! Tenho, no entanto, dor de cabeça quando penso nele... O querido diretor me fez praticar, entre outras coisas, os Exercícios Espirituais de Santo Início. Pouco me importava com esses exercícios, mas, pelo menos, precisava percorrer as páginas a fim de dar a impressão de ter-me submergido nestas extraordinárias meditações. Não era o momento de me deixar apanhar em falta.

Era minha confissão geral a que ia me fazer ganhar a batalha. Essa confissão geral não durou menos de três dias. Para esse fim havia guardado um golpe fulminante.

Disse tudo, isto e aquilo, e mais ainda, mas meu "partner" compreendia que havia um grande pecado, muito gordo, muito gordo, que era difícil de ser confessado: um pecado mais penoso de dizer que a confissão de mil impiedades. Finalmente, foi preciso decidir-se a fazer sair aquele monstruoso pecado.


A vós, senhoras e senhores, não vos quero fazer esperar tanto: meu grande pecado era um crime, mas um crime de primeira ordem, um assassinato dos mais bem elaborados. Não tinha degolado a toda uma família, não! Mas, sem ser um Tropmann, nem um Dumolard, a guilhotina me esperava sem remédio se tivesse sido descoberto.

Havia tido o cuidado de procurar alguns desaparecimentos noticiados nos jornais três anos antes e, sobre um, deles construí uma pequena novela; mas meu reverendo padre não quis deixar-me expor todos os seus detalhes. Havia-me julgado capaz dos mais horríveis sacrilégios e, além do mais, eu lhe havia causado agradáveis surpresas; quanto a ter um assassino ajoelhado diante dele, não o esperava de forma alguma.

Quando as primeiras palavras da confissão saíram de meus lábios, o reverendo padre teve um sobressalto muito significativo. Ah, agora compreendia minha indecisão, minhas dificuldades, minha forma de privilegiar certos pecados menos embaraçosos!... Era que eu tinha vergonha de confessar meu crime! Não somente tinha vergonha, mas estava alterado, espantado... Havia uma viúva neste assunto; o reverendo padre me fez prometer que entregaria à viúva de minha vítima uma renda indireta, muito engenhoso, a meu critério... Não quis conhecer nenhum nome, mas o que lhe interessava era saber se havia sido assassinado com ou sem premeditação... Após longas dúvidas, oprimido pelo peso da vergonha, confessava a premeditação, uma verdadeira insídia.

Tenho o dever de render homenagem a esse reverendo padre jesuíta. Jamais fui incomodado pelos magistrados. Minha fraude me permitiu, pois, pôr a prova o segredo da confissão. Se conto um dia com detalhes a história desses doze anos, o farei, como hoje, com a mais estrita
imparcialidade, e com calma, senhor Abade Granier!

O que no momento retardo é o fato de minha primeira vitória, como entrei em batalha. Se alguém tivesse ousado dizer ao reverendo padre que eu não era o mais sério dos convertidos, seria admoestado.
* * *
Não entrava em meu plano precipitar minha visita ao Soberano Pontífice. Certamente, minha confissão de assassino tivera um magnífico êxito; mas o diretor de meu retiro em Clamart guardava o segredo para ele. Evidentemente não pode ao menos dizer ao seu superior hierárquico que, lhe havia confiado o mandato de investigar as profundezas de minha alma:

- Leo Taxil?... Eu respondo por ele!

As desconfianças do Vaticano ficavam descartadas; como me fazer agradável? Pois para levar a mistificação ao máximo que eu sonhava e que tinha a indizível alegria de alcançar, necessitava realizar alguns dos pontos do programa da Igreja mais queridos pela Santa Sé.

Esta parte de meu plano havia sido estudada desde o princípio, desde minha primeira resolução de captar exatamente o conteúdo do catolicismo. O Soberano Pontífice havia se caracterizado, um ano antes, pela Encíclica Humanum Genus e esta encíclica respondia a uma idéia muito fixa nos católicos militantes. Gambetta havia dito: "O Clericalismo, aí está o inimigo!" À Igreja, de sua parte, dizia: "O inimigo é a Franco-maçonaria!"

Mexer com os maçons era, pois, o melhor meio de preparar o caminho para a colossal farsa, da qual saboreava de antemão toda sua agradável sorte.

No princípio os maçons se indignaram; não previam que a conclusão, pacientemente preparada, seria uma universal gargalhada. Acreditavam-me verdadeiramente disposto. Dizia-se, repetia-se, que era um dos meios de vingar-me da expulsão que datava de 1881, cuja história, que de modo algum me desonra, é bem conhecida: pequena querela levantada por dois homens, hoje em dia desaparecidos e desaparecidos em condições lamentáveis.

Não, não me vingava; divertia-me e se examina hoje o que sobrou dessa campanha, reconhecer-se-á, inclusive entre os maçons que me foram mais hostis, que não prejudiquei ninguém.

Diria, inclusive, que fiz um serviço à Maçonaria francesa. Quero dizer que minha publicação dos rituais não foi alheia, certamente, As reformas que suprimiram práticas anacrônicas e ridículas aos olhos dos maçons amigos do progresso.

Mas deixemos isso e resumamos os fatos. Minha finalidade era criar todas as peças da diabrura contemporânea - o que é muito mais forte que a vila sublacustre de Leman -; era preciso proceder ordenadamente; era preciso estabelecer os limites; era preciso pôr e incubar o ovo de onde nasceria o Paladismo. Uma fraude desta categoria não se fabrica em um dia.

Havia constatado, desde os primeiros tempos de minha conversão, que um certo número de católicos estava convencido de que o nome de "Grande Arquiteto do Universo", adotado pela Maçonaria para designar ao Ser Supremo sem pronunciar-se no sentido particular de nenhuma religião; estavam convencidos - digo - de que este nome servia na realidade para ocultar habilmente ao senhor Lúcifer ou Satã, o diabo!

Aqui e ali se citam algumas anedotas, segundo as quais o diabo faz, de repente, sua aparição em lojas maçônicas e preside a sessão. Isto é admitido pelos católicos.

Embora não se acredite, há gente honrada que imagina que as leis da natureza são às vezes contrariadas por espíritos bons ou maus e, inclusive, por simples mortais. Eu mesmo ouvi com estupor que se me pedissem, faria um milagre. Um bom cônego de Friburgo, caindo em minha presença como uma bomba, me disse textualmente:

- Ah, Senhor Taxil, sois um santo! Para que Deus o tenha afastado de um abismo tão profundo, é preciso que tenhais uma montanha de graças sobre a cabeça! [sic]. Quando soube de vossa conversão, tomei o trem e eis me aqui. É preciso que ao meu regresso possa dizer não somente que vos vi, mas que haveis realizado um milagre diante de mim.

Não esperava semelhante pedido.

- Um milagre - respondi - Não vos compreendo, senhor cônego.

- Sim, um milagre - repetia - Não importa qual, a fim de que possa dar testemunho... O milagre que queirais! Que sei eu? Toma, por exemplo, esta cadeira, a transformai em bastão, em guarda-chuva...

Estava perplexo. Recusei docemente realizar semelhante prodígio. E meu cônego voltou a Friburgo dizendo que, se eu não fazia milagres, era por humildade. Alguns meses mais tarde me enviava um imenso queijo de Gruyere; sobre sua casca havia gravado, com uma faca, inscrições piedosas, hieróglifos de um misticismo descabelado; um excelente queijo, por outro lado, que jamais terminava e que comi com infinito respeito.

Meus primeiros livros sobre a Maçonaria foram, pois, uma mescla de rituais com pequenos enxertos anódinos, com interpretações aparentemente insignificantes; cada vez que uma passagem era obscura, ilustrava-o de forma agradável para os católicos que viam no senhor Lúcifer o supremo Grão-Mestre dos maçons. Mas isto era apenas sinalizado. Eu me limitava a preparar docemente o terreno, a trabalhá-lo em seguida e a jogar a semente mistificadora que devia germinar felizmente.

Após dois anos deste trabalho preparatório, fui a Roma. Recebido primeiro pelo Cardeal Rampolla e o Cardeal Parocchi, tive a sorte de ouvi-los, a um e outro, dizerem-me que meus livros eram perfeitos. Ah, sim, revelavam exatamente o que se sabia muito bem no Vaticano e que era verdadeiramente uma sorte que um convertido publicasse seus famosos rituais!

O Cardeal Rampolla me deu a chave do assunto. Como lamentava que eu não tivesse sido mais que um simples aprendiz em maçonaria! Mas, desde o momento que havia obtido os rituais, nada era mais legítimo que sua reprodução. Reconhecia tudo, inclusive o que, inventado por mim, tinha o mesmo valor que os tubarões de Marselha ou a vila sublacustre.

Quanto ao Cardeal Parocchi, o que o interessava mais particularmente era a questão dos irmãos maçons; a ele também minhas preciosas revelações nada ensinavam.

Tinha ido a Roma improvisadamente, ignorando que, para obter uma audiência particular do Soberano Pontífice, era necessário solicitá-la de antemão, com muito tempo, mas tive a agradável surpresa de não ter que esperar, e o Santo Padre me recebeu durante três quartos de hora.

Para ganhar essa nova partida, havia tomado minhas precauções com base na noite passada a sós com o cardeal Secretário de Estado. É evidente que este havia sido encarregado de estudar-me de antemão. Assim, pois, a impressão que tentei dar-lhe foi a de um cérebro um pouco exaltado, sem ir, não obstante, até o grau do bom cônego de Friburgo.

O informe verbal que o Cardeal Rampolla fez ao Santo Padre me valeu a acolhida que desejava.

Desde minha admissão sob o estandarte da Igreja, estava bem convencido de uma verdade: que não saberia ser um bom ator se não me metesse na pele do personagem que representava; se não acreditasse - ao menos de momento - que estava acontecendo. No teatro, se representa uma cena de desespero, não se pode dissimular as lágrimas; o cômico enxuga com seu lenço olhos secos; o artista chora realmente. Por esta razão, durante toda a manhã que precedeu minha recepção, concentrei-me na situação de uma forma tão completa que estava pronto para tudo e era incapaz de dar um tropeço, apesar de toda surpresa. Quando o Papa me perguntou: - Filho meu, que desejais? Respondi-lhe: - Santo Padre, morrer a vossos pés, agora, neste momento... Seria minha maior sorte...Leão XIII se dignou dizer-me, sorrindo, que minha vida era mais útil, todavia, para os combates da fé. E abordou a questão da Maçonaria. Tinha todas minhas novas obras em sua biblioteca particular; ele as havia lido de cabo a rabo e insistiu no direcionamento satânico da seita.

Tendo sido somente Aprendiz, tinha um grande mérito de ter compreendido que "o diabo estava ali". E o Soberano Pontífice insistia nesta palavra o diabo com uma entonação que me é fácil recordar. Parece-me que o ouço repetindo: "O diabo, o diabo!"

Quando me despedi, tinha adquirido a certeza de que meu plano podia ser posto em execução até o fim. O importante era não me adiantar até que o fruto estivesse maduro.

A árvore do luciferianismo contemporâneo começava a crescer. Eu a tinha cuidado com esmero durante alguns anos... Finalmente, refiz um de meus livros, introduzindo nele um ritual paládico, supostamente obtido secretamente e de minha total invenção, desde a primeira linha até a última.

Desta feita o Paladismo ou Alta Maçonaria Luciferiana havia nascido.

O novo livro teve as mais entusiastas aprovações, compreendidas as de todas as revistas dirigidas pelos padres da Companhia de Jesus.

* * *
Então havia chegado a hora de reforçar, sem o que a mais fantástica fraude dos tempos modernos fracassaria estrepitosamente.
Pus-me a procurar o primeiro colaborador necessário. Era preciso alguém que tivesse viajado muito e pudesse contar com uma misteriosa informação sobre os Triângulos luciferianos, os antros desse Paladismo apresentando como dirigindo secretamente todas as Lojas e Translojas do mundo inteiro.

Justamente, um antigo camarada de colégio, que reencontrei em Paris, havia sido médico da marinha. No início não o pus a par do segredo da mistificação. Eu o fiz ler diversos livros de autores que haviam se entusiasmado profundamente com minhas maravilhosas revelações. A mais extraordinária dessas obras é a de um bispo jesuíta, Monsenhor Meurin, bispo de Port Louis (Ilha Maurício), que veio ver-me em Paris e me consultou. Podem pensar que foi bem informado!...

Este excelente Monsenhor Meurin, erudito orientalista, não podia ser mais bem comparado que com aquele arqueólogo polonês que havia distinguido tão bem os restos de uma estátua eqüestre no meio das ruínas de uma praça pública de minha vila sublacustre.

Partindo dessa idéia fixa de que os maçons adoram o diabo e convencido da existência do Paladismo, Monsenhor descobriu as coisas mais extraordinárias no fundo de palavras hebréias que servem de palavras de passe, etc, nos inumeráveis ritos maçônicos. Cordões, aventais, acessórios rituais, tudo foi examinado; examinou até os menores bordados que figuram na mais insignificante pedaço de pano que tenha pertencido a um maçom e, com a maior boa fé do mundo, encontrou meu Paladismo em toda parte.

Sempre me lembrarei, como uma das horas mais felizes de minha vida, aquela em que me leu seu manuscrito. Seu grande volume, A Franco-maçonaria, Sinagoga de Satanás me serviu admiravelmente para convencer a meu amigo, o doutor, que existia, na verdade, um sentido secreto luciferiano em todo o simbolismo maçônico.

No fundo, o doutor pretensamente se enganava. Mas havia realmente estudado o espiritismo, como aficionado curioso; sabia que existem no mundo alguns crentes em manifestações sobrenaturais, em fantasias, em aparições, em duendes, etc. Sabia que, em grupos restritos de ocultistas, amáveis histriões fazem ver espectros à boa gente por demais esquecida de Robert Houdin. Mas ignorava que na Maçonaria se entregavam a semelhantes operações; ignorava que houvesse um rito especial de ocultismo luciferiano e maçônico; ignorava o Paladismo e seus Triângulos, os Magos Eleitos e os Mestres Templários e toda essa estranha organização suprema que eu havia imaginado e que Monsenhor Meurin e outros confirmavam cientificamente.

Em meu livro, "As Mulheres na franco-maçonaria?", havia criado a personagem de uma Grã-mestre desse Paladismo, uma Sophia Sapho, de quem dera apenas a inicial do suposto nome: um W. A meu amigo e doutor dei o nome inteiro confidencialmente. Acreditou na existência de Sophia Walder.

Entendamo-nos bem. Por causa de livros como o do Monsenhor Meurin, o doutor acreditou no Paladismo e em diversas personagens que já começavam a aparecer, heróis de minha mistificação. Mas não tentei por nada do mundo fazê-lo crer na realidade das manifestações que pretendia contar.

Definitivamente, eis como recorri ao concurso do doutor meu amigo:

- Queres colaborar com uma obra sobre o Paladismo?... Eu conheço a questão profundamente, mas publicar rituais não oferece o mesmo interesse que contar aventuras em qualidade de testemunho, sobretudo se essas aventuras são alucinantes... Ademais, para comover melhor aos céticos, é preciso que o narrador seja ele mesmo um herói; não um paladista convicto, mas um zeloso católico que adotou a máscara luciferiana para fazer essa tenebrosa pesquisa com perigo de sua vida... Eu te dou um pseudônimo, o autor não pode entregar seu nome à publicidade: por exemplo, se tens que fazer uma pesquisa entre os niilistas... Somente te darás a conhecer a um pequeno grupo de eclesiásticos; isso bastará... Vais organizar o itinerário de suas viagens e eu, segundo esse itinerário, te construirei uma tela onde só terás que bordar; ademais, re-copiarei teu manuscrito, a fim de corrigir, de endireitar e, sobretudo, acrescentar... A ti corresponde a parte médica, a descrição das cidades e um certo número de relatos. Quanto a mim, me encarregarei da parte técnica do Paladismo, das informações sobre todos os personagens que faremos desfilar, assim como de um grande número de episódios complementares... Em suma, tenho necessidade de tua colaboração por um total de trinta a quarenta fascículos... Agora fique tranqüilo a propósito dos desmentidos... Como pudeste dar conta pelas obras que te dei para ler, os paladistas se compõem de dois elementos: de alguns desequilibrados que crêem realmente que Lúcifer é o Deus Bom e que seu culto deve permanecer secreto durante um certo número de anos e de intrigantes que se servem desses desequilíbrios, excelentes matérias para suas experiências de espiritismo oculto... Nem um nem outro poderão protestar publicamente, posto que a primeira condição para pertencer ao Paladismo é o segredo mais rigoroso; por outro lado, se eles protestam, seus desmentidos ficarão sem efeito, visto que serão interessados."

Meu amigo, o doutor, aceitou e a fim de entretê-lo com o pensamento de que o Paladismo existia, apesar da simulação de feitos maravilhosos atribuídos por nós a seus Triângulos, eu o fiz receber algumas cartas de Sophia Walder; Sophia se indignava de que pretendessem conhecê-la. O doutor me trazia fielmente essas cartas. Na terceira ou quarta que recebeu, me disse:

- Verdadeiramente, tenho medo que essa mulher nos faça um escândalo e demonstre por à mais que o que vendemos em seu nome é pura fantasia.

Respondi-lhe:

- Tranqüiliza-te. Ela protesta pró-forma; no fundo diverte-se lendo que ela tem o dom de passar através dos muros e que possui uma serpente que, com a ponta de sua cauda, escreve profecias nos ombros dela. Entrei em contato com ela; fui apresentado a ela; é uma boa mulher. É uma paladista farsante; ri-se a gargalhadas de tudo isso... Queres que te a apresente?

Como, pois? Ah, era feliz de estabelecer contato com Sophia Walder! Alguns dias depois enviei a meu amigo uma carta da grã-mestre paladista; consentia em sua apresentação. Combinamos o encontro em minha casa; dali deveríamos ir ao encontro de Sophia Sapho que nos convidava para jantar... Meu amigo chegou vestido com etiqueta, como se tivesse sido convidado ao Elyseo. Mostrei-lhe a mesa servida em minha casa e, dessa vez, contei tudo... Ou, ao menos, quase tudo.

Sophia Walder, um mito!... O Paladismo, minha mais bela criação, só existia no papel e em alguns milhares de cérebros!... Não se convencia. Precisei dar-lhe provas... Quando se convenceu, concluiu que a mistificação era divertida e me ofereceu sua ajuda.

Entre as coisas que me esqueci de dizer há uma que vão conhecer por esta conferência: porque lhe dei o pseudônimo de Dr. Bataille.

Supostamente, era para melhor marcar o caráter de ataque, a guerra ao Paladismo. Mas a verdadeira razão para mim, a razão íntima do diletante histrião, era esta: um dos meus antigos amigos, hoje falecido, foi um histrião fora de série: o ilustre Sapeck, príncipe da fraude no bairro latino; eu o fazia reviver, em certo sentido, sem que dessem conta. Sapeck, com efeito, chamava-se realmente Bataille.

Mas meu amigo o doutor não era suficiente para a realização de meu plano. O Diabo no Século XIX, em meu projeto, devia preparar a entrada em cena de uma Grã-mestre Luciferiana que se convertia.

A obra que havia publicado apresentava Sophia Sapho, mas sob as cores mais negras. Eu me havia empenhado em fazê-la o mais simpática possível aos católicos: era o tipo perfeito da diaba encarnada, envolvida em sacrilégio, uma verdadeira satanizante, tal como se vê nas novelas de Huysmans(26).

Sophia Sapho, ou a Senhorita Walder, só estava aí para servir de contraste frente a outra Luciferiana, mas esta simpática, uma criatura angelical que vivia nesse inferno paladista por azar de nascimento e que eu reservava para a obra assinada por Bataille o cuidado de fazê-la conhecida do público católico.

Assim, pois, como esta Luciferiana excepcional devia converter-se em um dado momento, era preciso ter alguém de carne e osso, caso sua apresentação fosse indispensável.

Pouco tempo antes de encontrar meu camarada de infância, o doutor, as necessidades de minha profissão me haviam feito buscar uma datilógrafa, que era representante na Europa de uma das grandes fábricas de máquinas de escrever dos Estados Unidos. Tive que lhe dar para passar a máquina bom número de manuscritos naquela época. Vi que era uma mulher inteligente, ativa, que Às vezes viajava por causa de seus negócios; ademais, era de um caráter alegre e de uma elegante simplicidade, como é geral em nossas famílias protestantes. É conhecido que os luteranos e calvinistas, apesar de proscreverem o luxo em sua toalete, fazem, não obstante, algumas concessões na moda. Sua família é francesa, pai e mãe franceses, mas falecidos; a origem americana se remonta ao bisavô. Apesar da semelhança do nome, não tem nenhum laço de parentesco com Ernest Vaughan, o ex-administrador do Intransigente. Na França não há muitos Vaughan; sem dúvida, na Inglaterra e Estados Unidos os Vaughan são inúmeros. Devo dizer isto, visto que hoje se poderia crer que o Senhor Ernest Vaughan tenha sido mais ou menos indiretamente cúmplice de minha mistificação. Importa, pois, impedir todo qüiproquó; a Senhorita Diana Vaughan não tem nenhum grau de parentesco com ele; a homonímia é pura casualidade.

Mas não podia acertar melhor. Nada, melhor que a Senhorita Vaughan, podia secundar-me. Toda a questão se resumia em se ela aceitaria ou não.

Não lhe fiz a proposta à queima-roupa. Primeiro estudei-a. Pouco a pouco a fui interessando na demonologia, com o que ela se divertia muito. Disse a mim mesmo, ela é mais livre-pensadora que protestante; por seu turno, ela estava de certo modo admirada de constatar que, neste século de progresso houvesse, no entanto, pessoas que acreditavam seriamente em todos os contos da Idade Média.

Minha primeira avaliação da Senhorita Vaughan foi a propósito das cartas de Sophia Walder. Consentiu em fazê-las por meio de uma de suas amigas. Dessa forma tive a prova de que as mulheres são menos faladoras do que se diz e que se seu pequeno pecado é serem curiosas, em contrapartida pode-se contar com sua discrição. A amiga da Senhorita Vaughan jamais se vangloriou a ninguém de haver escrito ela as cartas de Sophia Walder. Ademais, essas cartas no foram numerosas.

Finalmente, decidi que a Senhorita Vaughan converter-se-ia em minha cúmplice para o êxito final de minha mistificação. Fiz com ela um trato: 150 francos por mês, por conta da cópia dos manuscritos, assim como pelas cartas em primeira mão. Escuso-me de dizer que em caso de viagem indispensável seria custeada em todos os seus gastos; mas não aceitou jamais soma alguma a título de presente. Na realidade, divertia-se muito com esta alegre falsificação, havendo tomado gosto por manter correspondência com bispos, cardeais, receber cartas do secretário particular do Soberano Pontífice, contar-lhes contos capazes de fazer dormir em pé, informar ao Vaticano sobre negros complôs luciferianos; tudo isso lhe dava uma alegria inenarrável; agradecia-me por tê-la associado a esta mistificação colossal e, se ela tivesse essa grande fortuna que lhe atribuímos para aumentar seu prestígio, não somente não teria aceitado jamais o preço combinado por sua colaboração, mas, inclusive, teria pagado de bom grado todos os gastos.
Ela que nos deu a conhecer, a fim de diminuir os gastos, a existência de agências privadas de correio. Tive a ocasião de recorrer a uma delas em Londres e nos indicou. Tambeu me informou do Alibi Officce de Nova Iorque.

O Diabo no Século XIX foi escrito principalmente para dar credibilidade a Miss Vaughan, a quem estava destinado, desde então, um grande papel na mistificação. Se ela se chamasse Campbell ou Thompson, teríamos dado a nossa simpática Luciferiana o nome de Miss Campbell ou Thompson. Nós nos limitamos a fazê-la americana, apesar de seu acidental nascimento em Paris. Situamos sua família no Kentucky. Isto nos permitia fazer a nossa personagem o mais interessante possível ao multiplicar ao seu redor fenômenos extraordinários que ninguém podia controlar. Outro motivo era que tínhamos situado nos Estados Unidos, em Charleston, o centro do Paladismo, dando-lhe como fundador o defunto General Albert Pike, Grão-Mestre do rito escocês na Carolina do Sul. Este maçom célebre, dotado de grande erudição, havia sido uma das altas luzes da Ordem; nós o convertemos no primeiro papa luciferiano, chefe supremo de todos os franco-maçons do globo, conferenciando regularmente, toda sexta-feira, As três da tarde, com o Senhor Lúcifer em pessoa.

O mais curioso do assunto é que há franco-maçons que subiram espontaneamente em meu barco, sem o menor convite; e este barco do Paladismo se tornou um verdadeiro encouraçado, frente ao rebocador que utilizei para meus fins na caça dos tubarões da baía de Marselha.

Com o concurso do Doutor Bataille, o encouraçado se converteu em toda uma esquadra e, quando Miss Diana Vaughan passou a ser minha auxiliar, a esquadra se transformou em frota.

Sim, temos visto jornais maçônicos, como a  Renaissance Symbolique, avalizar uma circular dogmática no sentido do ocultismo luciferiano, uma circular de 14 de julho de 1889, escrita por mim em Paris e revelada como trazida de Charleston para a Europa por Miss Diana Vaughan, da parte de Albert Pike, seu autor.

Quando eu nomeei Adriano Lemmi o segundo sucessor de Albert Pike ao soberano pontificado luciferiano - pois não foi no Palácio Borghese, mas em meu escritório, onde foi eleito papa dos franco-maçons -, quando essa eleição imaginária foi conhecida, os maçons italianos, e entre eles um deputado do Parlamento, acreditaram que era verdade. Eles se sentiram menosprezados ao saber, pela imprensa profana, que Lemmi guardava segredo e que os tinha à margem desse famoso paladismo de que já se falava no mundo inteiro. Reuniram-se em um Congresso em Palermo, constituíram na Sicília, Nápoles e Florença três Supremos Conselhos independentes e nomeou a Miss Vaughan membro de honra e protetora de sua federação.

Um auxiliar inesperado - mas de modo algum cúmplice, ainda que se diga o contrário - é o Senhor Margiotta, franco-maçom de Palmi, na Calábria. Envolveu-se como mistificado e foi mais que os outros; e o que resulta mais divertido é que nos contou que havia conhecido a grã-mestre paladista em uma de suas visitas à Itália. É verdade que o havia levado docemente a me fazer esta confidência. Eu lhe havia metido na cabeça que esta viagem teve lugar; havia criado ao redor dele uma atmosfera de Paladismo; eu o havia feito encontrar-se em Roma com um camareiro de Leão XIII, que havia feito jantar com Miss Vaughan tempos atrás. Depois lhe sugeri que Miss Vaughan, durante sua pretensa viagem de 1889, quando trouxe para a Europa a mencionada circular dogmática de Albert Pike, havia recebido, durante duas tardes, no Hotel Vitória de Nápoles, a numerosos grupos de maçons. Sabia que o Senhor Margiotta, que é poeta, havia dedicado a Bovio um volume de versos e havia tido cuidado de dizer que os franco-maçons apre sentados a Miss Vaughan em 1889 o haviam sido por Bovio e por Cosma Panunzi. Acrescentei que esses irmãos, a quem ela tinha oferecido chá, eram tão numerosos que não se lembrava mais nem de seus nomes, nem de suas fisionomias. O Senhor Margiotta arriscou, pois, primeiro timidamente, algumas alusões a propósito desse antigo reencontro; depois, vendo que o tema dava a impressão de seguir adiante ao constatar que Miss Diana não o desmentia, foi mais longe com maior liberdade. Inclusive foi longe demais. Mais tarde, quando julgava que era preciso impedir que a mistificação, adivinhada na Alemanha, naufragasse no silêncio de uma Comissão; quando me pus de acordo com o doutor para fazer soar o grito de vitória da loucura dos cardeais mistificados, quando Bataille e eu, sempre de acordo, simulamos que brigávamos, o Senhor Margiotta, tendo aberto finalmente os olhos, temeu o ridículo e preferiu declarar-se cúmplice ao invés de alistado cega e voluntariamente em nossa frota.

Mas não convém que pareçamos mais numerosos do que éramos na realidade. Éramos três e já era o bastante. Mesmo os editores foram enganados nos diversos preços. Não têm, porém, de que se queixar; em primeiro lugar, nossas maravilhosas revelações lhes valeram as mais alentadoras felicitações episcopais, sem contar as de solenes teólogos que não estranharam que nosso crocodilo tocasse piano, nem das viagens de Miss Vaughan a diversos planetas; além do mais, porque esta tríplice colaboração permitiu-lhes dar ao público duas obras que podem rivalizar-se com As Mil e Uma Noites, que foram devoradas com prazer e que serão lidas durante muito tempo, não por convicção, quiçá, mas por curiosidade.

* * *
Não é banal, com efeito, ter feito que, em nosso século XIX, fossem admitidas nossas maravilhosas histórias.

Não obstante, pergunto-me até que ponto os eminentes aprovadores do Paladismo revelado tenham o direito de irritar-se hoje. Quando se sabe que foram enganados, o melhor será rir com a galeria. Sim, Senhor Abade Garnier, porque os irritando vós, no entanto, dareis mais risada.

Os mistificadores do Paladismo podem dividir-se em duas categorias: os que estiveram de boa fé, totalmente de boa fé. Os que foram vítimas de sua ciência teológica e de seus estudos encarniçados contra tudo que se refere à Maçonaria. Necessitei mergulhar até o pescoço nessas duas ciências para imaginar tudo, completamente tudo, de forma que nem uns nem outros pudessem descobrir a fraude. Acaso, por exemplo, era fácil fazer crer no que não existe ao Senhor A. de la Rive, que é a pesquisa personificada, que investiga ao microscópio as mínimas coisas e que ganharia em pontos de nossos melhores juizes de instrução? Pode vangloriar-se de ter-me feito tanto mal!... Todo o meu Paladismo havia sido solidamente construído em relação à parte maçônica propriamente dita, posto que os franco-maçons - os "trinta e três", se os agrada mais! - não julgaram que o edifício era um milagre inexistente e pediram para entrar. A impossibilidade do Paladismo cega somente pelo sobrenatural de que o enchemos. Às sim, pois, essas diabruras somente podiam pôr em guarda aos que não crêem nas ações do diabo contadas em outros livros; nos livros de devoção. Asmodeu transportando Miss Diana Vaughan ao paraíso terrestre é acaso mais extraordinário que o Senhor Satã transportando ao próprio Jesus Cristo a uma montanha de cujo cume lhe mostrou todo os reinos da terra?... Que é redonda! Ou se tem fé, ou não se tem.


Mas, à parte dessa primeira categoria de mistificadores, há uma segunda; entre esses não houve mistificação absoluta. Os bons abades e religiosos que viram em Miss Diana Vaughan uma irmã maçom Luciferiana convertida têm o direito de crer que existem essas maçons. Jamais as viram; jamais as encontraram; mas podem dizer que não existem em suas dioceses. Em Roma tampouco há; em Roma, todas as informações estão centralizadas; em Roma não podem ignorar que não há mais mulheres maçons além das esposas, filhas ou irmãos dos franco-maçons, admitidas nos banquetes, nas festas abertas, onde, inclusive, elas se reúnem separadamente, muito honestamente, em sociedades particulares unicamente compostas de elementos femininos, como ocorre nos Estados Unidos com as Irmãs da Estrela do Oriente ou as Damas da Revolução.

Com um pouco de reflexão, é fácil compreender que, se existissem Irmãs Maçons tal como os antimaçons as imaginam, teriam havido conversões e confissões desde há tempo. A rapidez com que se acolheu em Roma a pretensa conversão de Miss Vaughan é significativo. Pensai que Monsenhor Lazzareschi, delegado da Santa Sé ante o Comitê Central da União Antimaçônica, fez celebrar um Tríduo de Ação de Graças na igreja do Sagrado Coração de Roma!

O Hino a Joana D Arc, composto supostamente por Miss Diana, letra e música, foi executado nas festas antimaçônicas do Comitê romano; esta música, quase convertida em música sacra, tem sido ouvida com grande solenidade nas basílicas de Cidade Santa. É a melodia da Seringa Filarmônica, paródia musical de um dos meus amigos, compositor e chefe da orquestra do Sultão Abd-ul-Aziz, composta para as diversões do serralho. Este entusiasmo romano deve fazer refletir. Recordarei dois fatos característicos. Sob a assinatura do "Doutor Bataille" contei e sob a assinatura de "Miss Vaughan" confirmei, que o templo maçônico de Charleston contem um labirinto em cujo centro está a capela de Lúcifer... (Interrupções).

Sou eu o que contou que, no templo maçônico de Charleston, uma das salas de forma triangular, chamada Sanctum Regnum, tem por adorno principal a monstruosa estátua de Baphomet, a quem os Altos Maçons prestam culto; que uma outra sala possui uma estátua de Eva, que se anima quando uma Mestra Templária é particularmente agradável ao mestre Satã e que essa estátua se converte, então, no demônio Astarté, vivo por um momento, para dar um beijo na Mestra Templária privilegiada. Publiquei a planta imaginária desse imóvel maçônico; planta essa desenhada por mim mesmo. Então Monsenhor Northrop, bispo católico de Charleston, fez uma viagem a Roma com o objetivo único de certificar ao Soberano Pontífice que esses relatos eram a mais pura fantasia. Essa viagem teria passado desapercebida se Monsenhor Northrop não se deixasse entrevistar durante o caminho. Ali disse: "é falso, absolutamente falso, que os franco-maçons de Charleston sejam os chefes de um rito supremo luciferiano. Conheço muito particularmente aos principais deles: são protestantes imbuídos das melhores intenções; nem um só sonha entregar-se a práticas de ocultismo. Visitei seu templo; não se encontra nenhuma dessas salas indicadas pelo Doutor Bataille e Miss Vaughan. Essa planta é uma farsa." Monsenhor Northrop, ao regressar de Roma, já não protestou; daí em diante guardou silêncio. Miss Diana Vaughan, pelo contrário, replicou a entrevista de Monsenhor Northrop; ela disse que o bispo de Charleston era franco-maçom e ela havia recebido a benção do Papa.

Segundo fato. Sob as assinaturas de Bataille e Vaughan contei e confirmei que em Gibraltar, no subsolo da fortaleza inglesa, encontravam-se imensas oficinas secretas onde homens monstruosos fabricavam todos os instrumentos usados nas cerimônias do Paladismo; Miss Diana Vaughan, interrogada sobre isso por altos dignitários eclesiásticos de Roma, divertiu-se respondendo-lhes, com sua mais formosa erudição, que nada era mais certo e que as forjas dessas misteriosas oficinas de Gibraltar eram alimentadas pelo próprio fogo do inferno. Monsenhor Vigário Apostólico de Gibraltar escreveu, por outro lado, que ele confirmava, ele, que se vira na necessidade de declarar a diversas pessoas, o seguinte: que a história dessas oficinas secretas era uma audaz invenção, que não tinha fundamento e que estava indignado que ver acreditarem em tais lendas. O Vaticano não publicou a carta do Vigário Apostólico de Gibraltar e Miss Vaughan recebeu a benção do Papa.

"É preciso recordar algumas outras cartas de aprovação que Miss Vaughan recebeu! (Interrupções)".

Como! Atreveis-vos negá-lo! Pois bem, eis uma carta de aprovação e é de valor!... É do Cardeal Parocchi, Vigário de Sua Santidade; está datada de 16 de dezembro de 1895:

Senhorita e querida Filha em N.S.:

Com uma viva e mui doce emoção, recebi vossa querida carta de 29 de novembro, com o exemplar da Novena Eucarística... Sua Santidade encarregou-me de enviar-vos, de sua parte, uma benção muito especial... Desde há tempos, minhas simpatias são para vós. Vossa conversão é um dos mais magníficos triunfos da graça que eu conheço... Neste momento estou lendo vossas Memórias, que são de um interesse palpitante... Entretanto, crede que não vos olvidarei em minhas orações e especialmente no Santo Sacrifício. De vosso lado, não cessai de agradecer a Nosso Senhor Jesus Cristo a grande misericórdia que Ele usou convosco; assim como do testemunho admirável de amor que vos deu.

Agora, aceitai minha benção e crede-me,

Todo vosso no Coração de Jesus L. M. Cardeal Vigário."

Eis outra carta, em papel oficial do Conselho Diretor Geral da União Antimaçônica, quer dizer, do mais alto comitê de ação contra a Franco-maçonaria, comitê consultado pelo próprio Papa; comitê que tem em sua cabeça um representante oficial da Santa SÉ, Monsenhor Lazzareschi. Escutai:

"Roma, 17 de março de 1896

Senhorita:
Monsenhor Vinzenzo Sardi, que é um dos secretários particulares do Santo Padre, encarregou-me de escrever-vos, por ordem expressa de Sua Santidade. Devo dizer-vos também que Sua Santidade leu com grande prazer vossa Novena Eucarística. O Senhor Comendador Alliata teve uma entrevista com o Cardeal Vigário sobre a veracidade de vossa conversão. Sua Eminência está convencido; mas manifestou a nosso Presidente que não o pode testemunhar publicamente. "Não posso trair os segredos do Santo Ofício", É o que Sua Eminência respondeu ao Sr. Comendador Alliata. Sou todo seu, mui afetuosíssimo em Nosso Senhor, Rodolfo Verzichi Secretário Geral".

O secretário particular de Leão XIX, o próprio Monsenhor Vincenzo Sardi, que acaba de ser mencionado, escreveu, por seu turno, entre outras coisas:

"Roma, 11 de julho de 1896

Senhorita:
Apresso-me a expressar-vos os agradecimentos que vos são devidos pelo envio de vosso último volume sobre Crispi... Trata-se de um livro em que, sob o nome de Miss Diana Vaughan, contai que Crispi tinha um pacto com um diabo chamado Haborym; que Crispi havia assistido, em 1885, a uma sessão paládica na qual um diabo chamado Bitru, apresentado por Sophia Walder a um certo número de homens políticos italianos, havia- lhes anunciado que a citada Sophia daria ao mundo, em 19 de setembro de 1896, uma filha que seria a avô do Anticristo. Tinha enviado esse livro ao

Vaticano. O secretário particular do Papa o agradecia e acrescentava: Continue, senhorita, continue escrevendo e desmascarando a iníqua seita! A Providência permitiu, por isso mesmo, que tenhais pertencido a ela durante tanto tempo... “Recomendo-me de todo coração a vossas orações e com uma perfeita estima declaro-me mui afetuosíssimo, Monsenhor Vincenzo Sardi.”

A Civilta Cattolica, a mais importante de todas as revistas católicas do mundo, o órgão oficial do Geral dos Jesuítas, revista publicada em Roma, compilava estas linhas em seu número 1.110, de setembro de 1896:

"Queremos ter, ao menos uma vez, o prazer de abençoar publicamente os nomes dos valorosos campeões que entraram primeiros no glorioso anfiteatro, entre os quais a nobre Miss Diana Vaughan. Miss Diana Vaughan, chamada das profundezas das trevas para a luz de Deus, preparada pela Providência divina, armada com ciência e experiência pessoal, volta-se para a Igreja para servi-la e parece inesgotável em suas preciosas publicações, que não têm comparação pela exatidão e utilidade."

Não só se considerava a Miss Vaughan como uma heróica polemista entre os que rodeavam o Soberano Pontífice; punham-na na mesma altura dos santos. Quando começou a ser atacada, o secretário do Cardeal Parocchi escreveu-lhe de Roma, em l9 de outubro de 1896:

"Continuai, senhorita, com vossa pena e vossa devoção, apesar dos esforços do inferno, fornecendo as armas para esmagar o inimigo do gênero humano. Todos os santos viram suas obras combatidas; não é, pois, estranho que a vossa não seja perdoada...
Rogo-vos que aceiteis, senhorita, meus mais vivos sentimentos de admiração e respeito. A. Villard". Prelado da Casa de Sua Santidade Secretário de S.E. o Cardeal Parocchi."

Estas cartas sabeis bem, senhores jornalistas católicos, que foram enviadas realmente à Senhorita Vaughan. É possível que sejam nocivos hoje; mas são documentos históricos; não foram fabricados; elas e seus eminentes autores não o renegarão.

E não somente eles patrocinavam esta mistificação, mas incitavam seu correspondente, acreditando que fosse um exaltado, a entrar no jogo para a preparação de seus milagres.Falta-me tempo hoje; não obstante, quero dar-vos a conhecer um fato nesta ordem de idéias. Todo mundo sabe que, segundo a lenda católica, quando Joana D'Arc foi queimada, o verdugo ficou estupefato ao constatar que somente o coração da heroína não havia sido consumido; em vão jogou, então, piche ardente e enxofre; o coração não pôde arder. Então, por ordem formal dos que ordenavam o suplício, o coração de Joana foi jogado no Sena. Agora, o clero francês pede a canonização de Joana D'Arc; mas é Roma a que canoniza e Roma está na Itália. O clero francês encontrou já uma relíquia da que foi executada: é uma costela carbonizada. Na Itália preparam-se para ter algo melhor. Uma desconhecida teve a idéia extraordinária de que ela encontrará o coração de Joana D'Arc; um anjo o trará, sem dúvida. Esta desconhecida ultramística escreveu para Miss Vaughan e é o mesmo secretário do Cardeal Vicário quem recomendou a Miss Vaughan que mantenha correspondência com essa piedosa pessoa; que intercambie com ela suas impressões sobe os feitos sobrenaturais relativos a Joana D'Arc. é fácil compreender o que isto quer dizer. Estai certos: um dia, um anjo trará o coração, não à França, mas à Itália, da mesma forma que uns anjos levaram a Loreto a Casa de Nazaré. Joana D'Arc será canonizada e todos os peregrinos franceses que irão à Itália não deixarão de visitar o convento italiano, possuidor do coração milagrosamente encontrado; e estas visitas serão frutuosas, não é assim?

Miss Vaughan viu, pois, choverem os favores dos príncipes da Igreja.


Os maçons da França, da Itália, da Inglaterra riam disfarçadamente e tinham razão. Pelo contrário, um maçom alemão, Findel, encolerizou-se e lançou um folheto muito bem feito. Grande emoção. Esse folheto foi como uma pedra em um charco de rãs.

Tratava-se de tomar uma resolução enérgica. Findel comprometia o êxito final de minha mistificação: seu grande erro foi crer que era um golpe inventado pelos jesuítas. Pobres jesuítas! Havia-lhes enviado um fragmento da cauda de Moloch, como peça de confirmação do Paladismo!

Houve inquietação no Vaticano. Passou-se de um extremo a outro; enlouqueceram. Perguntava-se não estariam na presença de uma fraude que explodiria contra a Igreja, em lugar de servi-la. Nomeou-se uma Comissão de Inquérito, que funcionou em segredo, para saber a que se ater.

A partir desse momento, o perigo tornava-se grande; minha obra estava em perigo e eu não queria encalhar no porto. O perigo estava no silêncio; seria o estrangulamento da mistificação nos calabouços da Comissão romana; seria a proibição aos jornais católicos de dizer uma só palavra.

Meu amigo, o doutor, foi à Alemanha; de lá me fez conhecer a situação. E eu parti para o Congresso de Trento prevenido, bem prevenido. No meu regresso, a primeira pessoa que vi foi meu amigo. Eu o fiz partícipe de meus temores de um estrangulamento pelo silêncio.

Então combinamos tudo o que foi escrito e feito. Se os redatores do Universo duvidam, posso dizer-lhes quais são as passagens que foram suprimidas nas cartas do Doutor Bataille. Fui eu quem, desta forma, aticei o fogo, pois era preciso que a imprensa do mundo inteiro fosse posta a par desta grande e extravagante aventura. E era necessário um bom lapso de tempo para que o alvoroço dos católicos furiosos e a polêmica com os partidários de Miss Diana Vaughan pudesse atrair a atenção da grande imprensa, da imprensa que marcha com o progresso e que conta com milhões de leitores.

Antes de terminar, devo uma saudação a um palhaço desconhecido, a um perspicaz confrade americano. Entre palhaços, um se entende com o outro de um extremo a outro do mundo, sem ter necessidade de trocar cartas, sem recorrer, sequer, ao telefone. Saudações, pois, ao querido cidadão de Kentucky que teve a amável idéia de ajudar-nos sem nenhum acordo prévio, que confirmou ao Courrier Journal, de Louisville as revelações de Miss Diana Vaughan, que certificou, a quem quis ouví-lo, que ele havia conhecido à querida Miss intimamente durante sete ou oito anos e que a havia encontrado freqüentemente em diversas sociedades secretas da Europa e América... Onde ela jamais pôs os pés.

Senhoras, senhores:

Eu lhes havia anunciado que o Paladismo seria afundado hoje. Melhor que isso; foi afogado; já não mais existe.

Em minha confissão geral ao padre jesuíta de Clamart, eu me havia acusado de um assassinato imaginário. Bem, ante vós, confesso-me de outro crime. Cometi um infanticídio. O Paladismo agora está mudo e bem morto. Seu pai acaba de assassiná-lo.

***
O tumulto que se seguiu à revelação de Taxil foi inenarrável. Risos, assobios, ameaças, gritos de raiva... Já no começo da conferência, houve muitos protestos e duas ou três pessoas foram embora, entre elas um jornalista da imprensa católica que declarou aos sacerdotes ali presentes que não deviam agüentar um minuto a mais. Mas foi precisamente o Abade Garnier - o que Taxil acusa diretamente várias vezes em sua conferência - quem gritou: "Tenhamos a coragem de permanecer!" E todos os sacerdotes presentes ficaram, protagonizando uma situação nada fácil nem agradável. O Abade Garnier interrompia constantemente para apostrofar Taxil de canalha, velhaco imundo, e pensar que nos recolheram as bengalas na entrada!... Efetivamente, por precaução, os guarda-chuvas e as bengalas haviam sido confiscados na entrada e estava previsto um serviço de segurança.

Ao final da conferência, o Abade Garnier, no alto de uma cadeira, quis arengar à assistência... Mas os amigos de Taxil gritaram mais que ele e não poucos assistentes entoaram a canção cômica de Meusy, "Oh, Sagrado Coração de Jesus!" Podia-se, no entanto, ouvir como o Abade Garnier tentava justificar-se: "Eu bem que podia acreditar nesta história extraordinária, posto que o Papa acreditava nela."

A polícia teve que proteger a saída de Leo Taxil. Desapareceu e não se voltou a falar dele. Sua morte, em Sceaux, em 31 de março de 1907, aos cinqüenta e três anos, passou praticamente despercebida.

Ruy Luiz Ramires.'.