Alexandre Mansur Barata**
Tese de doutorado In, MAÇONARIA, SOCIABILIDADE ILUSTRADA E INDEPENDÊNCIA (Brasil, 1790-1822).
A interrupção dos trabalhos maçônicos e as disputas em torno da "memória" da Independência
Nem
os esforços empreendidos pelos maçons no sentido de participar dos
festejos da aclamação de D. Pedro no dia 12 de outubro foram suficientes
para impedir que D. Pedro, em 21 de outubro, determinasse a Ledo a
interrupção das atividades maçônicas e que em 02 de novembro de 1822
José Bonifácio, na condição de Ministro do Reino, determinasse a
abertura de uma devassa que culminaria na prisão e na fuga de vários
maçons. Segundo Joaquim Manuel de Menezes, em reunião do Grande Oriente
do Brasil, ficou resolvido que no dia 12 de outubro, data do aniversário
de D. Pedro e de sua aclamação, os maçons "se espalhariam pelos lugares
de maior concorrência, principalmente pelo campo de Santana, aonde
deveria ter lugar a aclamação, procurando conservar a necessária
tranquilidade e o decoro conveniente a tão importante ato; que, devendo o
imperador seguir a pé debaixo do pálio do palacete para a capela
imperial, os nossos I:. que fossem oficiais da 1 e 2 linha, se
apresentassem fardados, e os paisanos decentemente vestidos e com armas
ocultas, rodeando quanto fosse possível a pessoa do nosso Gr:. M:. e
imperador, atentos a voar em seu socorro: resguardando-o com seus
corpos, se algum traidor ousasse tocá-lo."
Nessa mesma reunião (04/10/1822), o maçom José Clemente Pereira apresentou à assembleia maçônica os vivas que deveriam proferir, na qualidade de presidente do Senado da Câmara, no dia da aclamação: "À Religião! Ao Senhor D. Pedro I, imperador constitucional do Brasil! À sua augusta esposa! A Independência do Brasil!". Como consta da ata da reunião daquele dia, D. Pedro interrompeu José Clemente Pereira e propôs um outro viva: À assembleia constituinte e legislativa do Brasil.
Teriam
ainda os maçons, segundo Joaquim Manuel de Menezes, no dia da aclamação
de D. Pedro I, como Imperador Constitucional do Brasil, através de uma
"subscrição entre os nossos I:., que poderiam igualmente promovê-la
entre os seus amigos profanos", assumido a despesa para a construção dos
cinco arcos triunfais colocados pelas ruas por onde deveria passar o
cortejo: o primeiro, a entrada da rua dos Ciganos; o segundo, junto ao
teatro na Praça da Constituição; o terceiro, no largo de São Francisco
de Paula; o quarto, no fim da rua do Ouvidor; o quinto, no fim da rua
Direita defronte à Igreja do Carmo.
Apesar
de uma aparente normalidade, no dia 21 de outubro de 1822, D. Pedro I,
já aclamado e coroado Imperador do Brasil e Grão Mestre do Grande
Oriente do Brasil, enviou uma carta a Joaquim Gonçalves Ledo, que
ocupava o cargo de 1º
Grande Vigilante do Grande Oriente do Brasil, determinando a suspensão
dos trabalhos maçônicos. Tomou essa iniciativa de suspender os trabalhos
das lojas maçônicas "primo como imperador segundo como G:. M:.". Nessa
correspondência, D. Pedro afiançava a Ledo que a suspensão seria breve:
"hoje mesmo deve ter execução e espero que dure pouco tempo a suspensão,
porque em breve conseguiremos o fim que deve resultar das
averiguações".
Quatro
dias depois, em 25 de outubro de 1822, Pedro Guatimozim, era assim que o
Imperador assinava suas correspondências maçônicas, determinou o fim da
suspensão dos trabalhos maçônicos em função do término das
averiguações: "vos faço saber que segunda-feira que vem, os nossos
trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor, começando a abertura pela
G:. L:. em Assembleia Geral."
Mas
os maçons não puderam comemorar por muito tempo. Em 02 de novembro de
1822, José Bonifácio determinou uma devassa contra os maçons, acusados
de conspirar "contra o governo estabelecido, espalhando contra ele as
mais atrozes calúnias, fomentando enfim a anarquia, e a guerra civil". A
abertura dessa devassa deu-se num momento bastante peculiar.
No
dia 27 de outubro, dois dias depois da autorização dada pelo Imperador
para o recomeço das atividades maçônicas, José Bonifácio e seu irmão
Martim Francisco colocaram seus cargos de ministros à disposição de D.
Pedro. Tão cedo a notícia foi conhecida, iniciou-se uma movimentação no
sentido de fazer com que o Imperador reintegrasse os Andradas ao
governo, o que acabou por acontecer. Reintegrado ao governo, fortalecido
pelas manifestações favoráveis que tomaram o Rio de Janeiro, José
Bonifácio desencadeou violenta repressão aos maçons identificados com a
liderança de Joaquim Gonçalves Ledo, o que ficou conhecido como
Bonifácia.
Em
seguida à abertura da devassa, várias denúncias chegaram ao
conhecimento do ministro. Em 17 de novembro, por exemplo, José Bonifácio
ordenou que o Intendente Geral da Polícia se certificasse de que numa
casa térrea na Rua da Cadeia, pertencente ao Tenente-coronel Monte, se
ajuntassem frequentemente "vários indivíduos suspeitos de Carbonarismo e
que, segundo a informação de uma mulher da vizinhança estivera Joaquim
Gonçalves Ledo abrigado nessa casa no dia 30 de outubro último". É
interessante notar que a acusação contra Joaquim Gonçalves Ledo não era
de pertencer à maçonaria, mas sim da suspeita de ser "carbonário".
Joaquim
Gonçalves Ledo inicialmente procurou refúgio na fazenda de Belarmino
Ricardo Siqueira, em São Gonçalo, e com o auxílio do cônsul da Suécia
conseguiu embarcar num navio daquela nacionalidade que se dirigia para o
porto de Buenos Aires (Argentina). José Clemente Pereira foi preso
alguns dias depois de ordenada a devassa. Recolhido à fortaleza de Santa
Cruz, foi em 20 de dezembro de 1822 deportado para Havre (França).
Januário da Cunha Barbosa, que tinha ido a Minas Gerais como havia
determinado o Grande Oriente do Brasil propagar a proposta de aclamação
de D. Pedro como Imperador Constitucional, foi preso quando retornou ao
Rio de Janeiro em 07 de dezembro de 1822. Como José Clemente Pereira, em
20 de dezembro de 1822, foi deportado para Havre (França), seguindo
posteriormente para Londres.
Em
19 de novembro de 1822, o Senado da Câmara da Cidade e Corte do Rio de
Janeiro, em reunião extraordinária, deliberou por "geral aclamação" que
esta Câmara deveria requerer ao Imperador D. Pedro I a remoção do
Procurador Geral Joaquim Gonçalves Ledo. Na reunião antecedente de 09 de
novembro de 1822, a que convocou essa reunião extraordinária, o Juiz
Presidente do Senado da Câmara da Cidade e Corte do Rio de Janeiro
justificou a necessidade dessa medida em função de que Gonçalves Ledo
havia" perdido o conceito público, qualidade indispensável ao lugar que
ocupa". Sua opinião era motivada pelos acontecimentos do dia 30 de
outubro, quando se reuniu no Paço do Conselho "uma muito considerável
parte do Povo" que pedia a restituição dos Andradas ao ministério e a
demissão de Gonçalves Ledo do cargo de Procurador Geral da Província do
Rio de Janeiro. "… foi por todos bem claramente ouvido clamar o mesmo
Povo em altas, e unânimes vozes, que o motivo desta deposição, que se
devia com razão reputar fatal à segurança de todo Império, era uma
cabala de que estava à testa o Procurador Geral desta Província Joaquim
Gonçalves Ledo, cuja deposição o mesmo Povo julgava indispensável…"
Embora
o processo contra os maçons tenha se encerrado em 1823, isso não
significa dizer que as perseguições tenham diminuído. Em 1827,
sentindo-se cansado dessas perseguições impostas pelos seus inimigos,
Joaquim Gonçalves Ledo deixou a Corte para viver em sua propriedade no
norte fluminense. Não sem antes enviar uma carta ao Imperador com o
objetivo de se despedir, mas também para expor o quanto estava sendo
duro tomar essa iniciativa. Depois de explicitar toda sua fidelidade a
D. Pedro, "Pai comum de todos os Brasileiros", e de apontar as suas
ações no sentido de defender a chamada "causa do Brasil", Ledo se
colocava como um verdadeiro defensor do sistema constitucional de
governo:
Restituído
à Pátria, quase ao tempo em que V.M.I. dava ao Brasil a Constituição,
que adoramos, Eu tive a Honra de dizer a que tal era o meu júbilo por
esta Dádiva Sublime, que não vacilava em caracterizar o dia do seu
juramento o primeiro dia nos Fastos gloriosos de e do Brasil. (…) E
porque, Senhor, hei de eu merecer o rigor inaudito com que sou tratado?
Porque hei de ser apontado até no meio daqueles, de quem não gosto, nem
sou gostado? Porque me hão de sempre vir procurar, e sempre as mesmas,
as setas da intriga, e da calúnia? Se não basta para me por em sossego a
lembrança de serviços, que fiz, sirvam ao menos os princípios da
Justiça e da Equidade. Tenho visto a tantos um dia perseguidos, mas
depois descansados, e só eu lidarei eternamente no remoinho da desgraça?
Só eu não hei de experimentar de V.M.I. ao menos aquela Complacência,
que experimentam os menos conspícuos de Seus súditos! O Réu de maiores
delitos paga as suas culpas, e enfim descansa, e só eu sem que culpas me
formem hei de incessantemente ser aguilhoado! Senhor! sou súdito fiel,
não tenho aspirações: meu único desejo é a tranquilidade do meu
espírito, quase no último quartel da minha vida. Amo o Sistema
Constitucional Monárquico, e nenhum outro, nem desejo, nem sustentarei:
mas posso asseverar a V.M.I. que o Homem, que ama uma Constituição não
promove, nem entra em revoluções: o governo pode ser qual for, ele
gemerá, mas conformar-se-á.
Apesar
da proibição do funcionamento das lojas maçônicas, muitos maçons
continuaram a se reunir às ocultas. No Rio de Janeiro, encontrava-se em
funcionamento, em 1825, a loja maçônica Vigilância da Pátria, que tinha
Nicolau dos Campos Vergueiro como um de seus membros. Na Bahia, como
constatou Celso J. Ávila Júnior, o inglês Jonathas Abbott, que em 1828
foi nomeado professor da Faculdade de Medicina da Bahia, teria sido
iniciado na maçonaria em 20 de julho de 1824, conforme consta de seu
diário particular.
Mas
o período pós-independência e pós-fechamento do Grande Oriente do
Brasil apontava para um outro desafio para os maçons. Em meio ao
crescimento de uma "propaganda" antimaçônica cada vez mais organizada e,
ao mesmo tempo, num momento em que se construía uma "memória" da
Independência que deveria ser celebrada e ritualizada, colocava-se para
os maçons a defesa de sua Ordem e de sua atuação. Nessa "luta de
representações", destaca-se, na defesa dos maçons e da maçonaria, a
atuação de Domingos Alves Branco Moniz Barreto e do seu jornal
Despertador Constitucional.
Em
1825, uma grande polêmica entre os defensores da maçonaria e os
antimaçônicos mobilizou os meios letrados do Rio de Janeiro. Polêmica
que teve início quando no Diário Fluminense foi publicado um artigo que
acusava a maçonaria de ser uma sociedade secreta que conspirava contra o
trono. Como já ressaltamos no capítulo anterior, não se tratava de algo
novo. De qualquer forma, o maçom baiano Domingos Alves Branco Muniz
Barreto saiu em defesa da atuação dos maçons do "Oriente Brasílico".
Essa
não foi a primeira vez que Muniz Barreto defendia publicamente os
maçons e a Maçonaria. Em 1823, havia publicado um manifesto, no qual ao
se defender da acusação do crime de sedição, de "inconfidência" na
devassa ordenada por José Bonifácio em 02 de novembro de 1822, acabou
por denunciar a forma arbitraria como foi conduzida aquela devassa e
defender a atuação dos maçons na Independência, sobretudo a sua aliança
com o Príncipe Regente D. Pedro.
Nesse
manifesto, Muniz Barreto argumentou que embora não pudesse negar o seu
pertencimento a Maçonaria causava-lhe estranheza sua perseguição tendo
em vista que o funcionamento de lojas maçônicas na Corte do Rio de
Janeiro era público, tolerado e aprovado. E acrescentava que:
…
menos se ignorava que a mesma Corporação se achavam ligados, como
Sócios, todos os Ministros, e Conselheiros de Estado de Sua Majestade
Imperial, a exceção de um, e que era Presidida, e encaminhada pelas
luzes, Patriotismo, e Probidade do seu Presidente o Exc. Sr. José
Bonifácio de Andrada e Silva, na Presença de Quem se tratavam todos os
objetos tendentes a prosperidade do Brasil, sua Independência, e
Aclamação do Augusto Imperador: o que tudo se conseguiu pelos assíduos
trabalhos da referida Corporação, constantemente dirigidos pelo Ilustre
Grão Mestre, e com avultada despesa do Cofre Geral, não só para o lustre
do Glorioso Dia doze de Outubro, em que entraram cinco arcos triunfais,
mas com os Emissários que se mandaram para todas as Províncias, tanto
Marítimas, como Centrais, para que nesse mesmo Dia fosse nelas Aclamado o
Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil;…
A
estratégia de argumentação utilizada por Domingos Alves Branco Muniz
Barreto era bastante clara. A sua condição de maçom não o colocava em
desalinho com a "causa do Brasil, do Imperador e de seu Ministério", até
porque foi a Maçonaria uma das fiadoras da independência do Brasil em
relação a Portugal e da luta pela unidade nacional.
Em
1825, Muniz Barreto voltou a defender a Maçonaria ao publicar no
Despertador Constitucional Extraordinário Numero 3 um artigo intitulado
Reflexões sobre a Maçonaria em geral, em particular do Oriente
Brasílico. Como o próprio título indicava, essa defesa da Maçonaria
estava dividida em duas grandes partes: uma em que tratou de esboçar um
quadro geral sobre a Maçonaria no mundo e outra onde procurou analisar
de forma mais detida a atuação da Maçonaria no Brasil. Seu objetivo mais
uma vez era convencer os leitores de que a Maçonaria não era
fermentadora de conspirações contra o governo, ressaltando o papel que
ela desempenhou na defesa da Independência e do Imperador.
O
Instituto da Maçonaria Brasílica, que foi restaurada pela nova elevação
do seu Oriente, não foi uma Obra, que procedesse da obscuridade, e
menos de espessos véus misteriosos, e impenetráveis, mas sim fundado nos
mesmos virtuosos princípios, que já ficam manifestados, e que formava
uma liga de Cidadãos leais, defensores da boa Ordem, da Religião, do
Imperante, e das Leis. O fanatismo político não se encontrava nas suas
deliberações. Homens zelosos do bem geral, e da honra do Brasil, uniram
provisoriamente a Sociedade Maçônica operações Filantrópicas, e
discutiam com sabedoria, e prudência as ideias, que Lhes ocorriam acerca
dos meios mais próprios para se conseguirem os uteis fins da
prosperidade deste Novo Mundo; e o Plano sobre a sua emancipação foi tão
bem concebido, concertado, e judicioso, que o resultado correspondeu ao
ardor, e atividade dos seus assíduos trabalhos; e disto não podemos
alegar melhor prova que o testemunho do mesmo Ministério do Governo, e
de pessoas dignas de fé, sem que houvesse vestígio de conspiração, tendo
somente em vista o Direito de Sucessão na justa, e bem merecida
Aclamação de Imperador do Brasil na Pessoa do Senhor D. Pedro I, que
anteriormente já tinha sido proclamado Seu Defensor Perpétuo.
O
artigo de Muniz Barreto em defesa da Maçonaria provocou de imediato
forte reação. No mesmo ano de 1825, foram publicados dois folhetos
atribuídos a Luís Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca, que
objetivavam responde-lo. São eles: O vovô maçom, ou o golpe de vista
sobre o Despertador Constitucional Extraordinário do 1°. de Fevereiro de
1825, publicado no Rio de Janeiro pela Imprensa Nacional; Antidoto
Salutífero contra O Despertador Constitucional Extranumerário nº3,
publicado no Rio de Janeiro em 1825. Ambos foram posteriormente
publicados em Lisboa pela Imprensa Regia em 1827.
Como
era próprio do periodismo da época, como bem ressalta Isabel Lustosa,
os dois folhetos são marcados por um estilo contundente, sem fazer
concessões, chegando mesmo em alguns momentos a violência e aos ataques
pessoais. A expressão "Vovô maçom", por exemplo, contida no título de um
dos folhetos era uma caçoada quanto a idade avançada de Domingos Alves
Branco Muniz Barreto, que em 1825 contava com 77 anos de idade. Ao longo
das suas páginas, os maçons são tratados dos mais diferentes
qualificativos: "ímpios", "hipócritas", "arquitetos de republicas",
"bicho peçonhento", "demagogos", "praga", dentre outros. Mas, no fim do,
o que essa violência das críticas dirigida aos maçons objetivava – a
começar pela ironia contida nos próprios títulos dos folhetos – era
deixar claro aos Leitores de que se tratava de uma luta. E, portanto,
que seus autores estavam em campos opostos. Luta que, se acontecia no
campo das ideias, tinha também reflexo no campo das práticas políticas.
Sobre
a origem do Maçonismo não concordam os mesmos Maçons; os filhos da Luz
não sabem quando veio ao mundo a sua mamãe: em todos os tempos e idades
houveram Seitas de desorganizadores, e de ímpios; estava porem reservado
para os nossos dias, para os séculos das luzes, o aparecimento da mais
detestável, e terrível de todas, e que reúne em si tudo quanto há de
abominável, e desastroso, pois que, ensinando que os homens todos são
iguais, e livres, chama os Povos para os horrores da anarquia, da
rebelião, e da impiedade; e debaixo dos seus auspícios, impulso, e
influencia se tem cometido por toda a parte as maiores atrocidades
contra o Altar, e os Tronos.
Não
fugindo ao paradigma narrativo do complô, tal como vimos no capitulo 3,
para o Padre Perereca, os maçons utilizando-se da malícia, de tramas
ocultas, da esperteza, do mistério, de pretensas "operações
filantrópicas" tinham por fim ultimo "a revolução geral do Globo, tal
como tem havido desde 1789 até agora". E
não havia espaço para especificidades nacionais, ou seja, não adiantava
Muniz Barreto defender que a maçonaria no Brasil era diferente da
maçonaria no restante do mundo.
E com ironia, retrucava: "Meu vovó
Maçom, quem tanto prova nada prova: aqui trata-se de fatos, e não de
hipóteses, e hipóteses. (…) quem viu um diabo, viu todos." Na
perspectiva do Padre Perereca, muito pelo contrário, a maçonaria no
Brasil era Essencialmente republicana e agia no sentido de derrubar o
Imperador.
Tudo
quanto V.S. acaba de asseverar em tom enigmático, e misterioso, nada
mais encerra do que a Revolução do Brasil, premeditada há muitos anos,
forjada nas trevas dos Autos secretos, ensaiada infelizmente em
Pernambuco em 1817, comprimida, disfarçada, e adiada para melhor
ocasião. (…) Ficando S. M. I. no Rio de Janeiro, bem contra a vontade
dos Maçons, teve o Brasil um Defensor, que o livrou da recolonização,
quebrando as cadeias, com que as Cortes de Lisboa o pretendiam maniatar
ao carro da sua orgulhosa avareza, e impor-lhe de novo o pesado jugo da
escravidão colonial. Ficando S.M.I. no Rio de Janeiro, bem apesar das
Cortes de Lisboa, os Maoris quase todos perderam a esperança da
quimérica República Federativa, envolvida, e bem embrulhada nas
operações filantrópicas unidas provisoriamente a Sociedade Maçônica,
etc. Eles bem desejavam ver o Príncipe Regente fora do Brasil;
revoando-lhes em roda das suas iluminadas cabeças os nomes de
Washington, de Adams, de Jefferson, de Monroe, esperava cada um ocupar a
cadeira da Presidência da sonhada Republica; já se sabe, por
filantropia, e por amor da prosperidade deste Novo Mundo!!! (p. 85)
Como
bom polemista e prolifero escritor, Domingos Alves Branco Muniz Barreto
não fugiu ao debate e retrucou as críticas dos dois folhetos acima
referidos de forma imediata e contundente. No mesmo ano de 1825,
publicou Apologia da Religião no Espiritual e dos Impérios no Temporal,
contra as erradas doutrinas do fanatismo, e Hipocrisia, expendidas no
Folheto Vovô Maçom, e nas sete Cartas, que tem por Título, Antidoto
Salutífero.
Como
um típico representante do pensamento ilustrado, a resposta de Muniz
Barreto aos folhetos publicados pelo padre Perereca possuía como
pressuposto o confronto entre "luzes" e "trevas". Tratava-se, a partir
de argumentos elaborados com base na razão, combater a ignorância, a
superstição de folhetos que, nas suas palavras, aliavam "ignorância e
patifaria". Com um forte conteúdo anticlerical, Muniz Barreto
identificou no autor dos folhetos um típico representante do pensamento
conservador, católico. Daí que, no decorrer de toda a sua treplica, ele
apenas se dirigia ao seu debatedor pejorativamente como "fradeco ou
padreco". Acrescenta-se a isso outros qualificativos, tais como:
"padreco teólogo rombudo", "demagogo místico", "ratazana", "caluniador",
"teólogo fanático".
Muniz
Barreto, como o próprio título de sua treplica indica, começa por fazer
uma severa crítica aos membros do clero, imersos no fanatismo, nos
privilégios, nos "vícios curiais" e, portanto, afastados da "boa e
verdadeira moral, e ainda mesmo do espirito de Religião, que Jesus
Cristo tanto recomendou aos Ministros de sua Igreja". Tal critica
fundamenta a defesa da necessidade da separação entre Igreja e Estado,
ou seja, da não intervenção do poder espiritual sobre o poder temporal.
"A espada espiritual, Senhor P., ou F., quando se desembainha e para
defender a vinha, e a herança do Senhor, e não para ofender as
jurisdições temporais dos Monarcas."
Em
seguida, Muniz Barreto reitera a defesa do papel desempenhado pelos
maçons na Independência, a especificidade de sua atuação no Brasil,
apontando as contradições do Padre Perereca:
Depois
de caluniar, e de mentir o P., ou F., como bem lhe pareceu, nega também
os fatos Filantrópicos, que com verdade expendemos tinha posto em
pratica a Sociedade Maçônica Brasileira, para se conseguir a
Independência deste Império. Se a revolução que para isso se fez fosse
criminosa, e não merecesse a gratidão publica, então o P., ou o F.,
acusaria a Maçonaria, e até lhe imputaria o mau resultado dos seus
trabalhos. Como porem a Grande Obra foi bem sucedida, e mereceu os
aplausos públicos, não foi isso devido a Sociedade Maçônica, mas sim aos
Brasileiros de todos as Províncias, que não eram Maçons.
Apesar
da contundência de Muniz Barreto, um novo folheto foi publicado em sua
resposta no Rio de Janeiro em 1826. Também atribuído a Luís Gonçalves
dos Santos, intitula-se: Exorcismos contra os incursos maçônicos, ou
continuação das Cartas Do que vê, e não ouve em resposta a apologia da
Religião, e do Império pelo Despertador Constitucional: dedicados aos
amantes da Religião, e do Império para benefício da Mocidade Brasileira.
Como
o próprio título do folheto denunciava, tratava-se de exorcizar, de
extirpar o demônio que ameaçava a perdição da "mocidade brasileira":
"Oh! Ilustríssimo Senhor, nunca dos prelos desta Corte se tirou papel
mais infame, nem mais caviloso, e detestável! Parece ter sido escrito
pela unha do demo com tinta extraída do rabo!" Tratando Muniz Barreto de
"nosso Marat", o autor do folheto Exorcismos contra os incursos
maçônicos, utilizando-se de todas as imagens próprias do discurso
conservador, contrarrevolucionário, terminou por associar os maçons e a
maçonaria como expressões da maldade, da perversidade, da irreligião, da
subversão, o que no piano político se desdobrava no sentido de associar
os maçons a defesa dos governos republicanos.
A
Maçonaria, Sr. Despertador, não e concepção de um só, como qualquer das
Seitas antigas conhecidas pelos nomes dos seus inventores, e um
edifício, que muitos arquitetos da impiedade tem sucessivamente
reforçado com o contingente da sua perversidade, nem ela aparece em toda
a parte com a mesma mascara; e posto que o seu fim seja a total
extinção do culto externo prestado a Deus, e uma universal Republica em
todo o Mundo, contudo ela finge-se tolerante do culto, e da Religião
dominante, enquanto não pode executar o piano da subversão de todo o
Altar, e de todo o Trono. Além do segredo, comum a todas as Seitas, de
trabalhar ao seu modo no desenvolvimento da grande obra de contradição, e
de iniquidade, a Maçonaria sobressai a todas, somente pela razão de
caminhar nas trevas de um segredo o mais profundo, e de servir- se de
meios os mais atrozes; daqui um ódio implacável aos Reis, e aos
Sacerdotes; daqui as maldições, os vitupérios, as calunias, as
zombarias, a licença da mais desenfreada libertinagem, se encontram em
todos os escritos dos Maçons desde a Enciclopédia até o mais pequeno
Livrinho; em todos os Jornais, Panfletos, e Folhas volantes, se divisa a
linguagem cínica, anárquica, e irreligiosa; porque estes homens
demônios falam, e escrevem pela abundância do seu coração.
Essas
imagens que associavam a maçonaria com a "subversão", como "inimiga do
Imperador e da monarquia", não constituía em si uma novidade. Como vimos
especialmente no capitulo 3, ela foi recorrente e sempre nos momentos
de crise ela era recuperada. No Brasil, do início da década de 1820,
essa "luta de representações" constituiu um dos elementos essenciais dos
conflitos políticos que dividiam as principais lideranças Maçônicas. No
período imediato a Independência, num momento em que era preciso
legitimar e fortalecer a vitória de um projeto político de autonomia que
se sustentava a partir da ideia da construção de um Império Brasileiro
unitário e tendo o Rio de Janeiro como centro político, foi necessário
neutralizar determinados setores da Maçonaria contrários a esse projeto
vitorioso. Como vimos, para o "grupo de Ledo", para os maçons do Grande
Oriente do Brasil, a adesão ao Príncipe D. Pedro e ao projeto
Independência com base numa monarquia constitucional, ao contrário do
projeto vencedor, pressupunha a ampliação da arena política, através de
um parlamento forte que de fato limitasse a autoridade do soberano.
Questão que não se resolveria em 1822.
** Nota: O autor não é maçom!
Fraterno Abraço
RuyR@mires.'.
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