Nota: a presente
entrevista – aqui reproduzida integralmente – foi elaborada pela Revista
Esquinas, um órgão laboratorial do Curso jornalismo na Faculdade Cásper Líbero,
de São Paulo. A finalidade foi recolher informações para a matéria “Debaixo dos
Mantos” de sua edição de nº 49. Quem estiver interessado em ler a matéria, ela
foi disponibilizada on-line no site da Faculdade.
REVISTA ESQUINAS: Qual é a relação dos Iluminados da Baviera com o Iluminismo? Eram mesmo os iluministas mais radicais ou foi apenas coincidência que tenham surgido em épocas tão próximas?
CARLOS
RAPOSO: Diretamente, não parece haver relação entre eles. Incidentalmente,
contudo, é perfeitamente possível que alguns “Iluminados” possam ter sido
iluministas. De todo modo, o que costuma ser historicamente afirmado é que o
fundador dos Iluminados, Adam Weishaupt (1748-1830), fora fortemente
influenciado pelos ideais políticos de seu tutor, este sim, um iluminista. Por
este última perspectiva e guardadas as necessárias ressalvas, não seria de todo
errado dizer que os Iluminados seriam um dos filhos do Iluminismo. Assim, tanto
o fato de ambos os movimentos terem surgido aproximadamente na mesma época
quanto compartilharem certos princípios certamente é bem mais do que mera
coincidência.
Esq.: Houve
alguma expressão, mesmo que mínima, da Ordem Illuminati no Brasil?
CR.: Nunca
li nenhum material confiável que indique qualquer tipo de atividade Illuminati
no Brasil.
Esq.: Há
alguma relação entre os Illuminati e as sociedades Skull and Bones – de Yale –
ou DeMolay?
CR.: Antes
de tudo é preciso ressaltar um ponto: o tema “Illuminati” é um prato cheio para
os adeptos das “teorias conspiratórias”, assim, é preciso ter bastante cuidado
ao abordar as supostas relações entre os Iluminados e as demais Ordens. Dito
isso, os DeMolay não possuem qualquer vínculo direto com os Illuminati. Já em
relação aos bonesmen, há autores, como Steven Sora, por exemplo,
que vagamente sugerem que o fundador da “Skull and Bones” haveria pertencido a
uma espécie de ramificação alemã dos Illuminati, mas não a essa Ordem
propriamente dita.
Esq.: Os
12 graus dos Illuminati podem ser comparados à maçonaria, onde a cada nível há
a apresentação de mais segredos e conhecimentos aos seus integrantes? Como
funcionavam e qual a importância ou a diferença entre os graus? O que se
consegue no grau 12º que não se tem no 1º, por exemplo?
CR.: Sim,
podem ser comparados. Ressalte-se que Weishaupt fora iniciado na Maçonaria,
muito embora seu propósito em ser admitido à Ordem já estivesse bem definido
antes mesmo de sua entrada. Ao que tudo indica, ele não queria ser Maçom, mas
reformar esta Instituição, de modo a fazer com que Maçonaria servisse aos fins
dele, coisa que evidentemente jamais aconteceu. Quanto aos graus Illuminati, a
Ordem possuía três Seções de graus. Cada Seção era subdividida em estágios,
perfazendo uma estrutura com um total de 12 graus. Não há como aqui explicar
detalhadamente o que se aprendia em cada um dos graus dos Illuminati, pois isso
demandaria uma imensa e às vezes maçante explanação. Contudo, falando a voo de
pássaro, na 1ª Seção de graus (chamada de Seção de Noviço) a Ordem, suas
finalidades e a premente necessidade de mudar a sociedade eram apresentadas ao
Neófito; na 2ª (Seção Minerval), vários conhecimentos maçônicos lhes eram
ministrados, adequando-os ao fito reformista; finalmente, na 3ª (Seção do
Minerval Iluminado), o então Iniciado era conclamado a agir no sentido de
realizar a tão pretendida reforma social proposta por Weishaupt.
Adicionalmente, vale mencionar que cada um dos Adeptos adotava para si uma
espécie de pseudônimo, às vezes denominado mote mágico ou nome místico. Nesse
contexto, é emblemático que Weishaupt fosse conhecido no meio como Frater
Spartacus.
Esq.: Como
era o processo de Provação pelo qual se tinha que passar para alcançar um novo
grau?
CR.: Para
ser admitido, não havia exatamente um critério a ser seguido. O que normalmente
ocorria era um simples convite, similar ao que acontece até hoje na Maçonaria.
Desse modo, se um Iluminado conhecesse alguém que ele julgasse merecedor de
receber um convite, este era feito. Destaque-se que a rede de Iniciados era bem
reduzida, principalmente nos primeiros anos de existência da Ordem. Isso fazia
com que procedimentos de admissão e de avanço nos graus fossem bem simples,
ocorrendo muito mais de acordo com a necessidade dos Illuminati de terem peças
estrategicamente localizadas pela Europa. Quanto a passar de uma Seção de graus
para outra Seção de graus, era imposto um interstício probatório de pelo menos
um ano de permanência em cada Seção. Nesse interstício, a critério dos
superiores, o Iniciado passava por algumas provações, que testavam seu
“merecimento”, por assim dizer. Fidelidade aos princípios da Ordem, presteza em
realizar as tarefas dadas, convicção quanto à necessidade de reformar a
sociedade, capacidade em trazer informações úteis para a Ordem, tudo pesava ora
a favor ora contra o avanço do Adepto na estrutura Illuminati.
Esq.: Se
os Illuminati têm como principal inimigo a Igreja Católica, quais são as bases
religiosas que os moviam? Como se relacionam os Illuminati aos comentários
sobre culto a Lúcifer e a consagração do anticristo na Nova Ordem Mundial, por
exemplo? São especulações ou foi algo que se inseriu na sociedade através dos
anos?
CR.: Em
primeiro lugar, a premissa não está de todo correta. A Igreja não era o
principal inimigo dos Illuminati, mas um dos alvos de sua pretendida ação
reformista. Em suma, além de social, as reformas pretendidas pelos Illuminati
teriam um alcance político, religioso e econômico. No aspecto político, os
Illuminati pretendiam purgar da Europa as monarquias. Já nas questões
religiosas, aí sim a Igreja Católica aparecia como adversária a ser batida.
Quanto às demandas econômicas, os Illuminati consideram inimigos os grandes
proprietários e a concentração de riqueza, pois, na concepção deles, não seria
possível uma sociedade justa com tanta desigualdade econômica. Depois, quanto
aos comentários relacionados a “anticristos”, “culto a lúcifer” e demais
perversões, estas simplesmente não se aplicavam. Todas estas peculiaridades de
fato são especulação e construções que tomaram lugar em cena a partir da
segunda metade do século XX, bem depois dos Illuminati serem extintos, ainda no
século XVIII.
Esq.: Os
símbolos Illuminati da nota de um dólar, dos Estados Unidos, misturam-se aos
símbolos maçônicos. É seguro dizer que alguns deles são símbolos exclusivamente
Illuminati, sendo que muitos líderes governamentais fazem parte da maçonaria e
foram responsáveis pela aplicação desses símbolos na moeda americana? É maçom
ou Illuminati?
CR.: Os
símbolos são maçônicos ou, melhor dizendo, são símbolos primeiramente usados
pela Maçonaria. Mais tarde, evidentemente, um ou outro símbolo usado pela
Maçonaria pode também ter sido usado pelos Illuminati (não podemos perder de
vista que Weishaupt fora maçom), mas isso não caracteriza qualquer influência
Illuminati na formação dos EUA. Historicamente, a rede de Iniciados
estabelecida por Weishaupt e seus Illuminati apenas abrangeu parte do Velho
Continente, não chegando às Américas.
Esq.: A
coruja, o cumprimento com o indicador e o mindinho levantados e a estrela
invertida, por exemplo, são símbolos satânicos ou foram distorcidos com o
passar do tempo? Se forem satânicos, como se explica a utilização pelos
Illuminati? Ou tinha outro significado para eles?
CR.: Todos
estes símbolos são bem mais antigos do que qualquer Ordem que conheçamos. No
meu entender, eles somente estão relacionados aos Illuminati graças mesmo à
distorção promovida pela falta de informação, pela informação tendenciosa e por
um incontrolável excesso de misticismo.
Esq.: Há
muita especulação sobre os Illuminati ainda tentarem estabelecer uma Nova Ordem
Mundial. Se os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade são honrosos, por
que alguns teóricos da conspiração classificam que uma possível tomada de poder
dos Illuminati seria vil e submeteria a população mundial ao domínio de poucos?
CR.:
Considero a questão particularmente interessante, pelos desdobramentos que ela
suscita. Inicialmente, vale muito dizer que sim, existe excessiva especulação
sobre a suposta tomada de poder pelos Illuminati. No meu entender, tal hipótese
é simplesmente inverificável e não procede de modo algum. Isso, por si só,
faria a pergunta fica completamente sem sentido. No entanto, mesmo não
acreditando neste tipo de domínio, se fosse admitir a possibilidade dos
Iluminados conseguirem estabelecer a tal Ordem Mundial, diria que a preocupação
dos teóricos da conspiração se justificaria plenamente. Aqui é que a questão
ganha uma proporção bastante interessante. A preocupação se justificaria, pois
boa parte das Ordens ditas “secretas” esconde, sob o manto de um discurso
repleto de jargões e bordões que apelam sempre por ideais libertários, um
regime político e hierárquico excessivamente rígido, senão autoritário, até
totalitário. Muito possivelmente, esse seria o caso dos Illuminati, caso ainda
existissem. Saindo um pouco da pergunta, acrescento que o ideal representado
pelo mote “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” de fato é nobre. Não a toa ser
ele francamente usado pela Maçonaria como um de seus mais importantes
princípios. De passagem, vale mencionar que a Maçonaria, ao contrário da
maioria das Ordens ditas “secretas” e salvo alguns dogmas estruturais, é uma
instituição que funciona de acordo com os mesmos princípios que norteiam
qualquer democracia.
Esq.: Quando
os Illuminati receberam essa fama de uma das sociedades secretas mais perigosas
e por quê? É só fama, ou os Illuminati se tornaram mesmo perigosos? O que os
levou a isso?
CR.: Não sei
se é possível determinar precisamente quando os Illuminati receberam essa fama.
Mesmo assim, resumidamente é válido citar que já no séc. XIX autores maçônicos
bem conhecidos e respeitados, como Albert Mackey (1807–1881) e Kenneth
Mackenzie (1833–1886), costumavam citar os Illuminati, mas de um modo meramente
informativo, da mesma forma como citavam outros grupos. Para estes autores, os
Iluminados da Baviera constituíam apenas uma ordem interessante, pois sua
estrutura servira de base para outras Ordens surgidas naquela época.
Entretanto, posteriormente, uma historiadora chamada Nesta H. Webster
(1876–1960) daria aos Illuminati uma dimensão um tanto que espalhafatosa e
alarmista, relacionando-os num contexto de uma espécie de complô universal que
visava nada menos do que o estabelecimento mundial do comunismo. Segundo
Webster (no clássico Secret Societies and Subversive Movements, de 1924)
os Illuminati constituíam uma das peças de um jogo maior de forças malignas que
há muito se reuniam, visando não somente investir avassaladoramente contra o
Cristianismo, mas também – nas palavras dela – contra toda a ordem social e
moral vigente. Possivelmente, foi esta autora a primeira a citar os Illuminati
e Weishaupt desse modo, relacionando-os a um contexto inteiramente perverso e
mau. Forçando um pouco, é até pertinente dizer que Webster fora uma das
primeiras representantes dos teóricos da conspiração. Depois dela, outros
tantos vieram a alimentar essa ideia alarmista a respeito da Ordem dos
Iluminados, associando-a as grandes teorias conspiratórias, a satanismos e a tutti
quanti. Assim, essa fama toda que hoje é imposta aos Illuminati nada mais é
que uma simples construção, sistematicamente alimentada por uma enxurrada
literária extremamente tendenciosa e bem pouco confiável.
Esq.: Até
onde os fatos ilustrados pelo jogo INWO, de Steve Jackson, 1995, são ligados
aos Illuminati? O senhor acredita que eles estiveram por trás dos atentados
contra as torres gêmeas e o pentágono, em 2001, assim como atuaram na revolução
francesa?
CR.: Não o
conheço muito bem, mas o suficiente para dizer que o jogo de Jackson é apenas
um jogo baseado nas teorias conspiratórias e nada mais. Quanto às Torres do WTC
e ao Pentágono, não há nada ali que relacione o atentado com qualquer suposto
tipo de atividade dos Iluminados. Tudo é mera especulação “conspiracionista”,
por assim dizer. Já em relação à Revolução Francesa, embora seja mote comum
afirmar que os Illuminati estiveram presentes neste movimento (eu mesmo já fiz
esta afirmação, no passado), não custa lembrar que a Ordem foi suprimida antes
da Revolução ocorrer. Dito de modo diferente, se de fato houve a participação
de membros remanescentes dos Illuminati na Revolução Francesa – e de fato eles
eram antimonarquistas –, devemos creditar esta participação a iniciativas
pessoais de cada um deles e não da Ordem como um todo.
Esq.: Em
seu artigo para a revista Sexto Sentido, há a citação de movimentos exotéricos
do presente, que podem ser confundidos com os Illuminati originais. Seriam
esses os movimentos que chamam a atenção dos teóricos da conspiração para os
feitos Illuminati dos atentados de 2001, ou os Iluminados da Baviera originais
ainda podem existir no subterrâneo? Qual é a real ou a mais provável expressão
do movimento, hoje em dia? Eles ainda existem e estão por aí, ou se
“transformaram” em outro grupo que vem visando à Nova Ordem Mundial em seu
lugar, como uma continuação?
CR.: Para
quem não conhece o artigo e tiver interesse em ler, ele está inteiramente
reproduzido em um de meus blogs (em Os Iluminados da Baviera).
Respondendo a questão, sim, alguns destes grupos esotéricos ou exotéricos podem
ser confundidos com os Illuminati originais, mas nenhum é o original e nem
qualquer um deles seria capaz de realizar algo parecido com o que ocorreu em
2001. Quanto a uma possível subsistência subterrânea, evidentemente a hipótese
pode ser considerada, embora seja praticamente improvável. Na verdade, os
movimentos que an passant citei são tão latos que mais confundem do que
esclarecem. Em tempo, note que sempre que aparece o tema “Illuminati”, quem
fala a respeito deixa sempre algo no ar, como se um mistério maior houvesse por
ali, algo que precisasse ser propositalmente ocultado. Por esta razão, quando
que me perguntam sobre isso tento ser o mais claro possível: até onde sei, não
há continuidade direta dos Illuminati. Melhor dizendo, não há grupo que possa
sustentar claramente qualquer tipo de vínculo histórico direto com o grupo
setecentista fundado por Weishaupt. O que existe são agremiações iniciáticas
que meramente usam livremente a denominação “Illuminati”, bem como alguns de
seus ideais. Sei que para muita gente, a não mais existência dos Illuminati
originais pode parecer frustrante. Todavia, tenha certeza que bem mais
frustrante é ver alguém iludido, pensando que faz parte de uma coesa Estrutura
Illuminati Mundial, coisa que simplesmente não existe.
Esq.: Se
existe uma continuação dos Illuminati, no que se diferencia o atual grupo do
original?
CR.: Como
dito anteriormente, não existe uma continuação direta deles, mas sim algumas
Ordens que usam parte dos ideais dos Iluminados em seu escopo. Algumas até
mesmo trazem a palavra “Illuminati” em seus nomes. Entretanto, nenhuma delas é
– de fato – uma continuação do grupo fundado na Baviera.
Esq.: Como
aconteceu a extinção política dos Illuminati? Baseado nas questões acima é
possível afirmar que eles estão de fato extintos?
CR.: Sim, o
grupo fundado por Weishaupt foi suprimido. Tudo indica que autoridades locais,
cumprindo ordem do Eleitor da Baviera, identificaram e apreenderam um farto
material produzido por Weishaupt. Entre outros, no material havia planos para a
derrocada das monarquias europeias, para que a Maçonaria fosse dominada e para
o fim da Igreja Católica, além de diretrizes gerais para o que Weishaupt
considerava ser o “Estado Ideal”. Em suma, em decorrência disso tanto Weishaupt
quanto sua família foram perseguidos. Conseguiram fugir e Weishaupt se exilou,
passando a viver na cidade de Gotha, sob a proteção do Duque local. Lá,
permaneceu quase em anonimato, escrevendo a respeito de seus ideais, até sua
morte, em 1830. Quanto aos demais Illuminati, o exílio do líder e consequente
enfraquecimento de todo o movimento foi suficiente para desmantelar a rede
criada por Weishaupt, levando-a a extinção.
Fraterno
Abraço
RuyR@mires.’.
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